No Brasil que estamos buscando construir — uma
nação desenvolvida, democrática, pluralista, regida pelas leis de mercado em
sua economia e pela liberdade e equilibradas relações de prerrogativas e
deveres no plano político e social — é inimaginável o desrespeito aos direitos
humanos, incluindo o flagelo da escravidão. Por isso, é muito louvável a lei
sancionada pelo governador Geraldo Alckmin, em janeiro último, que prevê o
fechamento de empresas que utilizem trabalho em condições análogas à
escravidão.
Com absoluta pertinência, a medida, baseada em
proposta do deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB), cassa a inscrição no
cadastro de contribuintes do ICMS dos estabelecimentos comerciais envolvidos na
prática desse crime, seja diretamente ou no processo de produção, como nos
casos de terceirização ilegal, por exemplo. Além disso, os autuados ficarão
impedidos por dez anos de exercer o mesmo ramo de atividade econômica ou abrir
nova firma no setor.
Para que se faça absoluta justiça aos
transgressores e aos estabelecimentos que cumprem a legislação e respeitam os
princípios do capitalismo democrático e da dignidade do trabalho, é muito
importante que a regulamentação da lei seja feita de modo muito competente.
Para isso, é preciso buscar subsídios e parâmetros relativos à matéria.
Referência bastante adequada é a definição da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), absolutamente clara e conclusiva.
Análise desse importante organismo multilateral
observa que “toda forma de trabalho escravo é degradante, mas o
recíproco nem sempre é verdadeiro. O que diferencia um conceito do outro é a
liberdade. Quando falamos de trabalho escravo, referimo-nos a um crime que
cerceia a liberdade dos trabalhadores. Essa falta de liberdade dá-se por meio
de quatro fatores: apreensão de documentos, presença de guardas armados
e gatos, de comportamento ameaçador, por dívidas ilegalmente impostas
ou pelas características geográficas do local que impeçam a fuga".
A OIT, é importante salientar, tem atuado há algum
tempo em cooperação com o governo brasileiro, com o qual deu início, em 2002,
ao Projeto de Cooperação no Combate ao Trabalho Escravo. A instituição
alerta que todas as formas de escravidão no Brasil são clandestinas, mas muito
difíceis de combater, considerando as dimensões territoriais do país,
dificuldades de acesso, precariedade de comunicação e limitações de inspeção.
Por isso, é bastante positiva a adoção de medidas
pelos governos estaduais, como faz São Paulo agora, engrossando e
descentralizando o combate a esse inaceitável crime. É importante, apenas,
sinergia com tudo o que já vem sendo realizado e definições claras na tipificação
do delito, para impedir injustiças no cumprimento da lei.
Devemos, também, considerar que os mesmos critérios
aplicados aos produtos e empresas nacionais sejam estendidos aos importados.
Instrumentos para isso não faltam. Se as cadeias produtivas são cada vez mais
globais, os procedimentos e regulações também assim devem ser. Tal
procedimento não é novidade e já vem sendo adotado por meio da
organização The Business of a Better World (BSR), rede global
multilateral, constituída por mais de 300 companhias, dentre as quais marcas
como Abercrombie, Gap, Burberry, Levi’s e Ralph Lauren.
Defendemos a aplicação de leis como a de combate ao
trabalho escravo concomitantemente em todo o território nacional, mas isso tudo
deve ser feito com critérios claros para que não se cometam injustiças ou
avaliações precipitadas. Também é essencial a sinergia e simultaneidade em
relação aos produtos importados, sob pena de estarmos, paradoxalmente,
beneficiando países produtores que sabidamente cometem tal desrespeito às
condições humanas, em detrimento da produção nacional.
FONTE: Jornal do Brasil, 23 de maio de 2013
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