Em
novembro de 2003, o jurista Arnaldo Sussekind, ex-ministro do TST e integrante
da comissão que, na década de 40, elaborou a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), foi convidado pelo então ministro presidente do TST, Francisco Fausto, a
realizar palestra sobre sua história e suas perspectivas, intitulada "Os
60 anos da CLT: uma visão crítica". O objetivo era tratar da
atualização da legislação trabalhista brasileira. Sussekind faleceu em 2012,
no dia do seu 95º aniversário e a apenas um ano de ver a CLT completar 70 anos.
Hoje, 569 propostas parlamentares em tramitação no Congresso sugerem mudanças
em seu texto.
Sussekind tinha apenas 24
anos quando ele e mais quatro membros compuseram a comissão elaboradora da CLT.
O convite foi do ministro do Trabalho do governo Getúlio Vargas, Alexandre
Marcondes Filho, e a ideia inicial era elaborar uma Consolidação das Leis do
Trabalho que harmonizasse, em um só ordenamento legal, três fases distintas do
governo getulista, iniciado com a Revolução de 1930.
A comissão encontrou
enormes dificuldades para organizar o texto, pois, segundo Sussekind, não se
queria apenas expor as leis e suas aplicações, mas explicar seus princípios e
fundamentos. "Entendíamos que não seria possível consolidar a legislação do
salário mínimo sem um capítulo sobre o salário, conceito de salário, elementos
etc." Finalmente, em 1º de maio de 1943, através do Decreto-Lei 5.452, a
CLT foi sancionada.
Defesa
Ainda na solenidade em
2003, Sussekind fez uma defesa enérgica da CLT para aqueles que a acusavam de
ter sido fruto de ideias fascistas, uma cópia da Carta del Lavoro italiana, de
1923. O jurista citou alguns pontos do documento, como o que prevê que o trabalho
noturno deve ter uma remuneração percentual maior que o trabalho diurno, ou o
direito ao repouso semanal. E retrucou: "É fascismo? Não creio".
Em 1977, no governo de
Ernesto Geisel, outra comissão interministerial foi nomeada para rever pontos
da CLT. "Essa comissão elaborou uma CLT nova, inteira", lembrou
Sussekind. No texto, ficaram estipuladas férias de 30 dias e a possibilidade de
conversão de um terço em abono pecuniário, além da regulamentação das férias
coletivas.
Mas o projeto representou
poucos avanços, tendo em vista o final de mandato de Geisel. Embora o
presidente tenha determinado a publicação do projeto na íntegra, seu sucessor,
João Batista de Figueiredo, resolveu arquivá-lo e nomeou outra comissão para
fazer o código de trabalho.
Desde então, a CLT passou
por vários governos, investidas políticas e econômicas, sem falar na própria
dinâmica do trabalho, profundamente alterada pelas novas tecnologias, levando à
automação e, consequentemente, transformando as relações entre patrões e empregados.
Certamente, nenhum
documento histórico atravessa 70 anos sem críticas ou reavaliações. Hoje, entre
os vários temas em debate sobre a CLT, dois são considerados relevantes por
juristas e parlamentares: a terceirização e a relação sindical.
A questão dos
sindicatos
Uma das críticas à CLT em
sua elaboração dizia respeito ao direito sindical. Em seu texto, havia um
artigo que declarava que o sindicato deveria ter o monopólio da representação
e, portanto, haveria um sindicato único para representar todos os integrantes
da categoria profissional ou econômica – longe da ideia de pluralismo sindical
assegurado pela Constituição Federal de 1988.
O deputado Assis Melo
(PCdoB-RS), com forte ligação com o movimento sindical, ressalta a importância
da CLT. Para Melo, devemos não apenas comemorar e reverenciar a CLT e seu
passado, mas também reafirmá-la como instrumento de garantia de trabalhadores.
O parlamentar concorda,
porém, que a legislação precisa avançar em alguns pontos, como, por exemplo, a
estabilidade de dirigente sindical (prevista no artigo 8º, inciso VII, da
Constituição Federal). "Não dá para trabalhar com a direção de nove
dirigentes sindicais em base que tem 3 ou 4 mil empresas", diz ele.
"Esse é um capítulo que deveria avançar", afirma.
Referência do sindicalismo
brasileiro e ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o hoje
deputado Vicentinho (PT-SP) também propõe avanços quanto à questão sindical.
Ele é autor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 29, juntamente com o
deputado Maurício Rands (PT- PE), que pretende instituir no Brasil a liberdade
sindical plena, através da ratificação da Convenção 87 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT). O objetivo principal é fortalecer as centrais
sindicais, que, na Constituição de 88, sequer são mencionadas. De acordo com a
proposta, as centrais ganhariam natureza jurídica de entidade sindical. Para
Vicentinho, a aprovação da proposta "seria um sonho".
Flexibilização
Entre as propostas que
seguem no parlamento, uma das mais polêmicas se refere à regulamentação do
trabalho terceirizado. Um deles é o Projeto de Lei 4330/2004, de autoria do
deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), para o qual a terceirização representa uma
evolução. Mabel afirma que seu projeto pretende eliminar a figura do mau
empregador e tirar do mercado aqueles que precarizam a mão de obra, e defende a
terceirização por especialidades.
Para Confederação Nacional
da Indústria (CNI), o tema é prioritário. A queixa é que a prática, embora
rotineira, não é regulamentada e gera grande número de conflitos judiciais e
multas milionárias para as empresas. O projeto está em análise desde 2004 no
Congresso.
A questão foi tema de
audiência pública realizada em 2011 pelo TST. Na ocasião, Vicentinho, autor do Projeto de Lei 1621/07, que se contrapõe ao
de Mabel, defendeu a proibição da terceirização na atividade-fim da empresa.
Seu projeto propõe a igualdade de condições de trabalho, inclusive de salário,
entre empregados diretos e terceirizados, e a participação do sindicato nos
processos de contratação de mão- de obra, entre outros pontos.
Atualização
Para o presidente do
Tribunal Superior do Trabalho, ministro Carlos Alberto Reis de Paula, a CLT não
é um "mero agregado" de dispositivos esparsos, mas "um texto com
estrutura normativa, axiológica e principiológica" que orienta o Direito
do Trabalho há 70 anos. Isso, no entanto, não exclui a necessidade de adaptação
a novos tempos. "A CLT, como toda a legislação, deve ser atualizada não
apenas para compilar a legislação criada posteriormente, mas também corrigir
arcaísmos e se adaptar às mudanças trazidas pela evolução da sociedade,
principalmente por uma lógica produtiva pós-fordista", afirma.
A atualização defendida
pelo presidente do TST, porém, tem de preservar o núcleo de princípios
norteadores do Direito do Trabalho para dar efetividade a princípios
fundamentais garantidos pela Constituição Federal. "Deve-se sempre
reafirmar a proteção dos direitos básicos do trabalhador e a busca da efetiva
representatividade pelas entidades sindicais", propõe. A marca dos 70
anos, para Carlos Alberto, deve servir para a reflexão, voltada para a
construção de uma sociedade "mais humanizada, onde se concilie e convivam
a justiça e a liberdade".
Homenagem na Câmara
A Câmara dos Deputados realiza
amanhã (15), às 10h, sessão solene em homenagem aos 70 anos da CLT. A
iniciativa partiu dos deputados Assis Melo, Vicentinho e Valtenir Pereira
(PSB-MT).
(Ricardo Reis e Carmem
Feijó)
Fonte: TST
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