Existe ainda no trecho muita controvérsia e até
desconhecimento sobre efetiva vigência da Lei do Motorista, que desde julho do
ano passado estabeleceu uma série de normas para a atividade, principalmente em
relação a horários de trabalho e de descanso. Entre as reclamações está a falta
de locais adequados para as paradas obrigatórias para o descanso e, por fim,
redução nos salário como resultado de menos quilômetros rodados no final do
mês. Enquanto se sucedem as discussões sobre eventuais alterações nessa
legislação, empresas procuram se adequar com um melhor planejamento das
viagens, enquanto os motoristas, na maioria, protestam. Além disso, a
fiscalização nas estradas praticamente não existe.
O carreteiro
Gleidson Araújo, o Toco, 30 anos de idade e 11 de profissão, natural de
Criciúma/SC trabalha com
uma carreta graneleira e viaja por todo o País. Ele considera que o assunto
ainda está muito polêmico e de difícil entendimento, ou até mesmo do
cumprimento por parte dos estradeiros, pela absoluta falta de estrutura nas
estradas. Segundo ele, apesar da viagem ser bem planejada, com previsão dos
horários e pontos de paradas, sempre surgem os imprevistos. E têm horários e
locais onde esses pontos já estão completamente lotados nos finais de tarde.
Toco lembra que há necessidade de cumprir a legislação de acordo com as
orientações da empresa, mas existe também a questão da segurança pessoal, do
caminhão e da carga, acentua. “Tudo muito complicado, por enquanto”, diz. Ele
garante que está procurando se adequar à Lei da melhor forma possível, mas
quase sempre extrapolado os horários. Nunca foi pego pela fiscalização, porém
tem um amigo que já foi autuado pela Polícia Rodoviária Federal pelo excesso de
horário ao volante.
Outro motorista que
procura seguir a lei rigorosamente, por orientação da empresa, é Gilberto Costa
Pistore, o Pinico, 22 anos e três de volante. Natural de Lindoeste/PR, ele
dirige uma carreta câmara fria em viagens entre Argentina, Paraná, São Paulo e
Minas Gerais, transportando frutas ou pescados. O caminhão está equipado com
tacógrafo, planilha para o diário de bordo, rastreador, rádio PX e toda a
documentação rigorosamente em dia, seguindo orientação da empresa, conforme
ressalta. E com isso, a Lei do Motorista que determina horários certos para
dirigir e para o descanso também é obedecida, com pequenas variações
decorrentes de imprevistos ou por necessidade de chegar ao local adequado para
estacionar o caminhão. Em sua opinião seria melhor dirigir a partir das 6h e
parar pelas 23h, com intervalos de acordo com a necessidade de cada motorista.
Lembra que antes da Lei ele trabalhava mais, porém, também ganhava mais.
Pistore acredita que, apesar de ser boa para os motoristas, essa Lei precisa
ainda ser aperfeiçoada. “Muitas coisas precisam ser mudadas”, salienta. Lembra
que na Argentina, por exemplo, a situação dos pontos de paradas é bem diferente
do Brasil, com lugares perigosos onde nem sempre é possível pernoitar. Para o
carreteiro Edson Bochi, 51 anos de idade e 11 de profissão, natural de
Cambé/PR, que viaja por todo o território nacional, Argentina, Chile, Uruguai e
Paraguai, a Lei favorece muito o motorista registrado e, no seu caso, o
cumprimento é obrigatório desde o primeiro dia de vigência, porque tudo é
controlado pelo tacógrafo e pelo diário de bordo. E se o motorista trafegar
fora dos horários permitidos é advertido e corre risco de demissão por justa
causa. Por isso – segundo afirma – todas as viagens são planejadas em todos os
detalhes. “Qualquer irregularidade e o motorista é chamado para se explicar, o
que ninguém quer, evidentemente”, relata. Bocchi acredita que apesar das
dificuldades e das resistências de alguns motoristas e empresas, e depois de
certos ajustes tudo vai dar certo e será bom para todos.
Na opinião do
cegonheiro Alex de Oliveira Sarmento, 33 anos, um ano e meio de profissão,
natural de Gravataí/RS, essas exigências são ruins para o estradeiro. Ele
transporta veículos da General Motors, instalada em sua cidade, para Rosário,
na Argentina, e lembra que de Gravataí a Uruguaiana dá para cumprir a Lei sem
problemas. Todavia, nas estradas argentinas, é obrigado a “estourar” o horário
porque é difícil achar um local seguro de parada.
Além disso, existem
as restrições de horários para caminhões trafegarem nas estradas e a
necessidade de carregar cedo e retornar ao Brasil, sem perda de tempo. Segundo
ele, “as autoridades deveriam fiscalizar a enorme quantidade de motoristas que
dirige sob o efeito de rebites ou de drogas pesadas, esses sim são responsáveis
por acidentes graves nas rodovias”.
Depois de muitos
anos viajando pelas estradas de países do Mercosul, Lucas de Abreu
Schlotefeldt, 49 anos de idade e 31 de direção, só roda agora por estradas do
Brasil e garante que dá pra cumprir a lei, porém não está muito contente com
ela. Afinal, estava acostumado a dirigir das 6h até 23h, “às vezes até mais”.
Natural da Caibaté/RS e dono de uma carreta, ele garante que é contra esses
horários de descanso, porque limita muito a vida do motorista. Em sua opinião,
deveria ao menos ser permitido dirigir das 6h às 22h e o motorista parasse para
descansar conforme suas necessidades. “Afinal, cada organismo reage de forma
diferente”, defende. Acredita que se a pessoa está cansada deve parar e
descansar, isso em qualquer circunstância, independente de Lei. Segundo ele,
muita coisa precisa ser ajustada para que, efetivamente, possa favorecer ao
motorista de caminhão.
Transportando
cargas especiais, numa velocidade de 60 km/h e acompanhado de dois batedores,
Edson Nogueira Marques, 33 anos de idade e seis de estrada, segue um roteiro de
viagem pré-estabelecido na empresa. Natural de Pirajú/SP, ele também viaja para
os países do Mercosul e, eventualmente, Bolívia. Admite que às vezes sente
saudades de “pisar um pouco mais fundo no acelerador”, mas reconhece que esse é
o seu trabalho. As paradas são obrigatórias a cada quatro horas de direção, com
30 minutos de descanso. Diz que há tolerância de tempo para os casos onde não
seja possível estacionar o caminhão com segurança. Comenta que é fiscalizado
pela Polícia Rodoviária apenas esporadicamente, e quando ocorre são solicitados
apenas seus documentos pessoais e do caminhão. Já em relação ao tempo de
direção ou de descanso afirma nunca ter sido fiscalizado. “É tudo muito
tranquilo”, afirma, e quanto ao cumprimento da lei, “sem problemas”.
Com uma frota de 17
caminhões no trecho, atendendo principalmente ao setor internacional, a
Transportes JN Ltda., de Uruguaiana/RS, orienta seus motoristas a trafegarem
dentro das determinações legais, aferindo os discos do tacógrafo e diário de
bordo ao final de cada viagem, inclusive para calcular os valores dos salários,
conforme explica o gerente financeiro da empresa, Jeovani Alves da Silva. Aos
36 anos de idade e 15 na área de transportes, ele acredita que muitas coisas
deveriam ser mudadas nessa legislação, adaptando-se mais à realidade das
estradas, da vida do motorista e das empresas. Sabe por experiência própria da
resistência da maioria dos motoristas em relação aos horários de paradas,
principalmente pelo que consideram perda de tempo de viagem e pela redução do
salário no final do mês, pois quanto mais rodam, mais ganham.
Quanto às empresas,
conforme destaca Jeovani da Silva, é preciso se adaptar e trabalhar dentro das
determinações legais. Lembra que a fiscalização do Ministério do Trabalho é
rigorosa e tem feito visitas frequentes a empresas transportadoras, para
verificação dos comprovantes de viagens ou mesmo para orientações, sempre
lembrando que em casos de infrações o efeito será retroativo e a despesa muito
grande. Ou seja: é melhor cumprir a lei.
O auditor fiscal do
Trabalho da gerência regional do Ministério do Trabalho e Emprego, em
Uruguaiana/RS, Jorge André Borges de Souza, 31 anos e cinco na atividade,
esclarece que são feitas visitas periódicas e de forma aleatória às empresas
transportadoras. De acordo com ele, são fiscalizados, em especial, o tacógrafo
e o diário de bordo. Mas, é claro, a fiscalização é bem mais ampla. Ele
esclarece que pelo menos 90% das empresas visitadas são autuadas e advertidas
para se adequarem à legislação; na grande maioria as empresas se adéquam e
passam a seguir as normas legais.
As reincidentes são
denunciadas ao Ministério Público e podem ter ação civil pública movida contra
elas, a qual pode resultar em indenização por danos morais coletivos. Borges de
Souza assinala, ainda, que o passivo trabalhista começou a contar desde o
início da vigência da lei, em julho do ano passado. Portanto, não é um bom
negócio não cumpri-la. Durante as fiscalizações houve o caso de uma
transportadora de Uruguaiana/RS, que fraudava a documentação. Dois caminhões
foram apreendidos para perícia e o caso está sendo investigado pela Polícia
Federal. E, conforme acentua o auditor fiscal, embora relutantes, as empresas
estão aos poucos se adequando à legislação. Os caminhões estrangeiros não são
fiscalizados, por enquanto. Enquanto isso, os motoristas, quem em princípio
deveria ser os mais favorecidos pela Lei, são os mais contrariados, sobretudo
pelo fato de rodarem menos e, no final do mês, faturarem menos.
Fonte: Revista do
Carreteiro
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