Na família de Tomaz Gabriel, de 70 anos, a
profissão demotorista de caminhão passa de pai para filho há mais de um
século.A vida nas estradas teve início como avô, arrebatou o pai e, apesar dos
sacrifícios, caiu no gosto de Gabriel logo cedo. Começou como funcionário, mas
aos 33 anos já conseguiu comprar o primeiro caminhão. Era um"mercedinha
71",usado e pago em 24 vezes.
Hoje ele tem um Volvo 2012,automático,com ar
condicionado, duas camas na boleia e frigobar. Um luxo comparado aos tempos do
avô, que circulava Brasil a fora com carretas pesadas,sem conforto. Mas,apesar
da modernidade dos caminhões, a tradição no volante parou na geração de
Gabriel. Os filhos fizeram faculdade e preferiram uma vida mais confortável,
sem as privações das estradas.
A família vai continuar no setor. Mas, desta vez,
no comando de uma empresa, com 140 caminhões.O problema será encontrar
motorista para dirigir a frota. Ao contrário da época de Gabriel e seu avô,
hoje falta profissional no mercado. Calcula-se que o déficit de caminhoneiro já
atinja 13% da frota das empresas (ou cerca de 100 mil motoristas), segundo a
Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística (NTC&Logística).
A escassez tem dificultado a vida das
transportadoras e dos produtores, seja do setor industrial ou do agronegócio.
Na colheita de soja, a escala de embarque tem sido prejudicada pela falta de
profissionais, afirma Carlos Fávaro, presidente da Associação dos Produtores de
Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja). "Se uma empresa precisa
de dez caminhões para fazer o transporte de soja, recebe apenas dois por dia.
Isso provoca estocagem excessiva e redução da competitividade do País."
Para complicar, o contingente de motoristas acaba
sendo comprometido com os congestionamentos gigantes na entrada dos portos,como
em Santos e Guarujá. Na semana passada, Tomaz Gabriel gastou 21 horas na
Rodovia Cônego Rangoni para descarregar no complexo santista. No tempo perdido
na fila, poderia ter atendido outra demanda. O exemplo vale também para a má
qualidade das Rodovias,que às vezes dobra o tempo de viagem."Junta-se a
isso a nova lei de regulamentação da jornada de trabalho dos motoristas, que
exige mais paradas e alonga a viagem", diz Antonio Wrobleski Filho,dona da
Support Cargo.
A empresa, com frota de 285 caminhões, teve de
encostar alguns veículos recentemente por falta de motoristas. Wrobleski
acabade comprar 30 novos caminhões, mas,por falta de profissional, escalonou a
entrega para não ficar com carreta parada. "Pedi para entregar em dez
imediatamente, dez em abril e dez em maio.É o tempo que terei para contratar
mais motoristas.Por enquanto,só consegui oito."
Remuneração. O presidente da Associação Brasileira
de Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, diz que tem sido difícil
convencer um jovem de se tornar caminhoneiro."Hoje ninguém quer ser
motorista por causa das condições das estradas e da remuneração." Ele
conta que há iniciativas no mercado de recrutamento de pessoas de 15 a 17 anos
para formar caminhoneiros. "Num primeiro momento, eles até têm
interesse.Mas quando chega a parte prática e mecânica do curso, mudam de ideia
e veem que ser mecânico é mais vantajoso", diz.
Fonseca tem uma empresa de transporte de cana de
açúcar e precisa de motoristas especializados na condução de caminhões pesados,
computadorizados e cheios de tecnologia. A última turma contratada teve
treinamento por 40 dias. "Você dá toda a estrutura para o profissional,
plano médico, salário de R$ 2,5 mil a R$ 3 mil, acomodação para ficar no local
durante a safra e alimentação e, mesmo assim, é difícil contratar."
A alta tecnologia dos novos caminhões também
amedronta os profissionais, especialmente os motoristas mais velhos,
acostumados a veículos manuais. A maioria não sabe operar os novos caminhões. E
quando o fazem arriscam suas vidas e de terceiros. O professor da Fundação Dom
Cabral,Paulo Resende,conta que boa parte dos acidentes provocados por
caminhoneiros nas estradas está ligada à incapacidade dos motoristas de lidar
com as inovações tecnológicas." Os novos caminhões exigem uma postura
diferente no volante. Qualquer movimento brusco pode provocar sérios
acidentes."
De olho no risco, a JSL - uma das principais
empresas de transportes do País - apostou no treinamento de novos motoristas.O
diretor de Operações e Serviços do grupo, Adriano Thiele, conta que a empresa
montou 13 centros especializados na formação.
Os funcionários, que devem ter carteira de
habilitação específica para dirigir caminhões, são contratados e passam de 45 a
60 dias em treinamento. Em 2012, dos 2,6 mil motoristas contratados, 914 foram
formados nessas escolas.
"Estamos crescendo a uma taxa anual de 28%.
Fomos obrigados a preparar nossa mão de obra", diz Thiele.
Igual estratégia tem sido adotada pela
Transportadora Roma, que já ficou com 5% da frota parada por falta de
motoristas.Tradicional no carregamento de grãos, a empresa apostou no
treinamento para reduzir prejuízos. Hoje, 20% dos seus profissionais foram
treinados por instrutores próprios, diz o diretor de transportes, Gelso Luiz
Lauer. "Nosso segmento exige caminhões bitrem e rodotrens. É preciso ter
habilidade e conhecimento para operá-los."
Resende diz que a situação de escassez de
motoristas já era esperada pois a demanda por transporte é cada vez maior e a
oferta de ferrovias limitada."Nas fronteiras agrícolas, a oferta de
transporte sobre trilhos é praticamente a mesma há dez anos.O resultado é o
desalinhamento entre oferta e demanda."
Fonte: Cenário MT
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