Safra recorde no Brasil é sinal de
congestionamento nas estradas, de acesso complicado aos portos e de navios em
fila para atracação. Os complementos são custos elevados e muita dor de cabeça
para quem deve cuidar de embarque e desembarque de mercadorias nos terminais
marítimos. A história se repete mais uma vez. O País colhe um volume sem
precedentes de grãos e oleaginosas, estimado em 183,6 milhões de toneladas pela
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A estimativa é pouco menor que a
divulgada em fevereiro, 185 milhões, mas, ainda assim, a colheita há pouco
iniciada deve ser a maior obtida até agora. Seria bem mais fácil festejar a boa
notícia – mais um sucesso da agricultura brasileira – sem o caos já visível no
sistema logístico.
Caminhões de
soja e milho estão sendo enviados aos portos, principalmente de Santos e de
Paranaguá, mais cedo que em outros anos. O congestionamento no acesso aos
terminais santistas começou na última terça-feira. Naquele dia, um dos
terminais graneleiros recebeu 350 caminhões, 100 a mais que o número máximo
permitido. Mas o caos é muito mais amplo e se espalha pelas estradas de outros
Estados. Carretas de Mato Grosso têm demorado três dias a mais que em outros
anos para descarregar nos portos. As viagens têm sido prejudicadas pelo mau
estado das estradas e a lenta movimentação portuária agrava os atrasos. Tudo
isso prejudica o retorno dos caminhões, retarda os novos carregamentos e eleva
o preço dos fretes. Segundo o presidente do Sindicato Rural de Sapezal (MT),
Cláudio José Scariote, a opção ferroviária é pouco atraente, apesar dos
problemas do transporte rodoviário, por causa da demora e do alto custo das operações
de transbordo.
O caos
logístico tem ocorrido em todos os anos de grandes colheitas e era esperado
mais uma vez desde o segundo semestre de 2012, quando um grande volume de milho
da segunda safra foi encaminhado aos armazéns. Especialistas falaram sobre o
assunto naquela ocasião e apontaram os riscos de problemas consideráveis nos
primeiros meses deste ano. As previsões estão sendo confirmadas, apesar de
algumas novas medidas. No Porto de Paranaguá foi estabelecido um sistema de
programação online para a entrega de carga, mas, mesmo assim, caminhoneiros
continuam formando filas.
O sistema
brasileiro de transportes é ruim tanto pela sua composição quanto pelas
condições de conservação e de uso das várias modalidades. A predominância do
modo rodoviário é um dos defeitos mais visíveis, num país com a extensão do
Brasil e com enormes volumes de carga para transporte a longa distância.
Com base em
custos do ano passado, a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul)
comparou as condições de escoamento da produção americana e da brasileira. No
Brasil, o produtor brasileiro pode gastar 59% mais que o americano para um
percurso de 2 mil quilômetros, principalmente por causa da matriz de
transporte. Dois terços dos produtos brasileiros são escoados pelo sistema
rodoviário, enquanto essa proporção nos Estados Unidos é pouco inferior a 30%.
Além disso, a
malha brasileira de rodovias é insuficiente e ruim. Segundo levantamento da
Confederação Nacional dos Transportes (CNT) realizada em 95.707 quilômetros de
estradas, no ano passado, o pavimento era deficiente em 46% da extensão, havia
problemas na sinalização em 66,3% e a pista era única em 88,1% dos percursos.
As condições predominantes, portanto, eram muito más tanto para o transporte de
passageiros quanto para o de cargas.
No ano passado
o governo mostrou preocupação com o problema, afinal, e anunciou um plano de
logística. Na prática, a iniciativa, até hoje, foi pouco além do anúncio,
exceto pela criação de uma estatal para cuidar do assunto. Pelo menos a
demonstração de interesse é positiva. Durante anos, a impropriamente chamada
política de transportes havia sido marcada por muita bandalheira e pouca
realização, num Ministério sujeito ao loteamento político. Enquanto se espera a
conversão das promessas em ações, a safra continua encalhando nas estradas e
portos.
Fonte: Estadão
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