segunda-feira, 29 de abril de 2013

EUROPA SOFRE SEM MOTORISTAS






Não é só no Brasil que a profissão de motorista de caminhão é vista ainda com certo preconceito por conta das longas jornadas de trabalho, a baixa possibilidade de ascensão e de se fazer uma carreira. Na Europa, o cenário é bastante parecido e, como consequência, a falta de profissionais qualificados é um problema que atinge os países do continente em diferentes níveis há alguns anos. Segundo especialistas consultados pela reportagem de O Carreteiro, a crise deve se intensificar quando a crise econômica chegar ao fim. Holanda, Noruega e Suécia estão entre os países mais afetados, mas a Alemanha também passa por um momento difícil atualmente, diz Claudia Ball, especialista em gerenciamento de educação profissional e treinamento da Dekra e pesquisadora no Projeto ProfDRV (Motoristas Profissionais, na sigla em inglês).
De acordo com ela entre as razões para a falta de motoristas estão a imagem negativa do setor como um todo e de conduzir profissionalmente. A atividade de motorista de caminhão não é vista como um trabalho sério como outros e ser funcionário de empresa é o que as pessoas mais querem. Motorista é a última escolha quando saem da escola e nada dá certo, por ser considerado um trabalho que não requer habilidades intelectuais, o que é ruim para a imagem da profissão e também uma percepção falsa devido às crescentes exigências em relação à competência do motorista.
Os números sobre o déficit de condutores na Europa divergem bastante, mas um levantamento divulgado em 2009 pelo Parlamento Europeu mostra que naquela época já faltavam 74.480 profissionais na União Europeia. Outros estudos apontam que só na Alemanha, o déficit de profissionais chega a 30%; na Suíça, a expectativa é de que 25 mil novos motoristas sejam necessários nos próximos dez anos e 36% das empresas de transporte belgas já têm dificuldade em contratar motoristas. No Reino Unido, a expectativa é de queda de 30% no número de motoristas qualificados antes de 2014, enquanto na França o envelhecimento dos motoristas atuais implicará na necessidade de uma renovação de 20% da força de trabalho em dez anos, ou seja, 131 mil pessoas.
Um estudo da Manpower de 2012 sobre as vagas de emprego mais difíceis de serem preenchidas coloca a profissão de motorista de caminhão na sétima posição a nível mundial. Quando se fala em Europa, África e Oriente Médio, os motoristas profissionais ocupam a quinta posição do ranking. A situação é ainda mais grave na França, Noruega e Eslováquia (segunda posição), Itália, Eslovênia e Polônia (quarta posição).
Segundo o presidente da Eurotra (European Transport Training Association), James Tillyer, “o déficit de motoristas não é um problema novo, mas nos últimos dez anos a cadeia de abastecimento cresceu e a demanda pelo transporte rodoviário também aumentou, colocando mais pressão na indústria”. O diretor de Assuntos Sociais, Segurança Rodoviária e Infraestrutura da IRU (International Road Transport Union), Jan Nemec, explica que a falta de motoristas foi “provisoriamente aliviada pela crise financeira e a recessão que se seguiu na Europa. Mas quando a recuperação econômica acontecer, a demanda crescente de transporte vai fazer com que a distribuição eficiente de produtos e os serviços de mobilidade fornecidos pelo transporte coletivo de passageiros fiquem cada vez mais restritos podendo até serem interrompidos pela falta de profissionais”.
Embora a impressão de muitos jovens na Europa é que ser motorista de caminhão é para quem tem menos habilidade ou capacidade é equivocada, porque a legislação é bastante rígida. Tanto é que em 2003 foi publicada a diretiva 059 que estabelece as normas para a qualificação inicial e a formação contínua dos motoristas profissionais de transporte de carga e passageiros para todos os países que fazem parte da UE, o que garante profissionais com a mesma qualificação e, consequentemente, uma competição mais justa.
Para ser um motorista profissional na Europa, alguns países exigem treinamento teórico, prático e exame. Outros pedem apenas o exame, porque a lei permite as duas coisas. Já os condutores formados são obrigados a realizar reciclagem de, no mínimo, 35 horas a cada cinco anos. O problema, segundo Claudia Ball, é que a teoria nem sempre é colocada em prática. “Infelizmente, os resultados de nossa pesquisa mostram que o objetivo da diretiva de chegar a uma qualificação mínima comum não foi alcançado, simplesmente porque a maneira como o treinamento é implementado nos países europeus difere muito. No entanto, estamos valorizando muito as características individuais dos países europeus e não queremos que o treinamento dos motoristas seja harmonizado ou regulado em toda Europa. É por isso que estamos propondo a implementação de uma abordagem que chamamos de ‘Resultados de Aprendizagem’ (LO, na sigla em inglês) para o treinamento de profissionais na Europa”.
O impacto da crise na demanda por condutores profissionais é bastante claro, como explica o diretor geral da Confederação Espanhola de Transporte de Mercadorias, Miguel Martinéz. “Logicamente a crise está tendo um impacto fundamental no transporte, porque ele é um dos elos de toda a cadeia. Antes, havia carência de motoristas e era difícil atrair os jovens ou encontrar profissionais que tivessem formação adequada. Entre 1997 e 2007 vivemos uma etapa em que era difícil encontrar quase qualquer tipo de profissional, mas melhoramos as condições de trabalho com plano de carreira, as condições econômicas e laborais e conseguimos atrair muita gente”, afirma. Ele diz que a Espanha não sofre atualmente com déficit de motoristas profissionais e até mesmo ‘exporta’ alguns deles.
Por outro lado, Claudia Ball diz que o déficit de motoristas diminuiu durante a crise e alguns até chegaram a perder seus empregos. “Muitos dos que foram demitidos tiveram a oportunidade de buscar outra colocação, ocasionalmente um emprego para o qual eles já eram treinados antes de se tornarem motoristas porque não conseguiam uma vaga para aquela posição em que era treinado. Assim, quando a economia melhorar e eles mantiverem os empregos atuais – ao invés de voltar a serem motoristas profissionais – haverá aumento do déficit destes profissionais na Europa”. James Tillyer, da Eurotra, confirma essa mudança de área para muitos profissionais e aponta outro problema. “A crise significa também que muitas companhias não estão realizando tantos treinamentos quanto antes. Além disso, a obrigatoriedade do treinamento para novos condutores está sendo ‘adiada’ por muitas empresas que irão esperar até o último minuto para colocar seus motoristas no treinamento obrigatório”.
Miguel Martinéz ressalta que até esse momento de crise tem um lado positivo. “Há um incremento na formação porque os trabalhadores têm mais tempo e as empresas muitas vezes não estão usando toda a sua frota. As montadoras tiveram queda nas vendas, mas têm mais oferta de formação para conquistar clientes. Há uma maior atenção para os pequenos clientes, porque elas sabem que a decisão de compra e transmissão de satisfação está no autônomo”.
De um país para outro
Em tempos de crise na Europa, muitos carreteiros estão aproveitando a situação do mercado laboral para emigrar para outros países que oferecem melhores condições de trabalho. Segundo Miguel Martinéz, diretor da CETM espanhola, profissionais espanhóis têm ido para países da América do Sul. Tillyer, da Eurotra, confirma. “A Espanha sempre teve um número alto de motoristas autônomos e, com a força da economia brasileira, muitos estão vendo o Brasil como uma grande oportunidade para começar uma nova vida. Suspeito que esteja acontecendo a mesma coisa com os motoristas portugueses. De fato, o Canadá também tem um forte programa de recrutamento, com a possibilidade de condutores alemães e dinamarqueses se realocarem para ajudar a indústria canadense. No entanto, lembramos que a realocação de motoristas europeus para outras partes do mundo deixa um problema ainda maior para a Europa e pode fazer com que o continente comece a recrutar profissionais asiáticos”.
Para Claudia Ball, a situação varia de acordo com cada país. “A minha impressão é de que os motoristas alemães e do Leste Europeu são mais propensos a trabalhar em outros países. Para os alemães, a Noruega, Suécia, Áustria, Holanda e Dinamarca são atualmente países interessantes porque oferecem salários mais altos e a profissão tem uma melhor reputação. Em relação à mobilidade de emprego fora da Europa, o Canadá costumava ser um destino interessante para motoristas europeus devido às boas condições de trabalho, ao idioma e à política de imigração”. Dentro da própria Europa, Tillyer diz que Escandinávia e Norte da Europa são bastante afetados. “No Leste europeu, muitas companhias estão recrutando motoristas de países vizinhos, como a Polônia tem feito ao recrutar condutores da Ucrânia, por exemplo”.
Fonte: Revista O Carreteiro

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