Não é só no Brasil que a profissão de motorista de caminhão é vista
ainda com certo preconceito por conta das longas jornadas de trabalho, a baixa
possibilidade de ascensão e de se fazer uma carreira. Na Europa, o cenário é
bastante parecido e, como consequência, a falta de profissionais qualificados é
um problema que atinge os países do continente em diferentes níveis há alguns
anos. Segundo especialistas consultados pela reportagem de O Carreteiro, a
crise deve se intensificar quando a crise econômica chegar ao fim. Holanda,
Noruega e Suécia estão entre os países mais afetados, mas a Alemanha também
passa por um momento difícil atualmente, diz Claudia Ball, especialista em
gerenciamento de educação profissional e treinamento da Dekra e pesquisadora no
Projeto ProfDRV (Motoristas Profissionais, na sigla em inglês).
De acordo com ela entre as razões
para a falta de motoristas estão a imagem negativa do setor como um todo e de
conduzir profissionalmente. A atividade de motorista de caminhão não é vista
como um trabalho sério como outros e ser funcionário de empresa é o que as
pessoas mais querem. Motorista é a última escolha quando saem da escola e nada
dá certo, por ser considerado um trabalho que não requer habilidades
intelectuais, o que é ruim para a imagem da profissão e também uma percepção
falsa devido às crescentes exigências em relação à competência do motorista.
Os números sobre o déficit de
condutores na Europa divergem bastante, mas um levantamento divulgado em 2009
pelo Parlamento Europeu mostra que naquela época já faltavam 74.480
profissionais na União Europeia. Outros estudos apontam que só na Alemanha, o
déficit de profissionais chega a 30%; na Suíça, a expectativa é de que 25 mil
novos motoristas sejam necessários nos próximos dez anos e 36% das empresas de
transporte belgas já têm dificuldade em contratar motoristas. No Reino Unido, a
expectativa é de queda de 30% no número de motoristas qualificados antes de
2014, enquanto na França o envelhecimento dos motoristas atuais implicará na
necessidade de uma renovação de 20% da força de trabalho em dez anos, ou seja,
131 mil pessoas.
Um estudo da Manpower de 2012
sobre as vagas de emprego mais difíceis de serem preenchidas coloca a profissão
de motorista de caminhão na sétima posição a nível mundial. Quando se fala em
Europa, África e Oriente Médio, os motoristas profissionais ocupam a quinta
posição do ranking. A situação é ainda mais grave na França, Noruega e
Eslováquia (segunda posição), Itália, Eslovênia e Polônia (quarta posição).
Segundo o presidente da Eurotra
(European Transport Training Association), James Tillyer, “o déficit de
motoristas não é um problema novo, mas nos últimos dez anos a cadeia de
abastecimento cresceu e a demanda pelo transporte rodoviário também aumentou,
colocando mais pressão na indústria”. O diretor de Assuntos Sociais, Segurança
Rodoviária e Infraestrutura da IRU (International Road Transport Union), Jan
Nemec, explica que a falta de motoristas foi “provisoriamente aliviada pela
crise financeira e a recessão que se seguiu na Europa. Mas quando a recuperação
econômica acontecer, a demanda crescente de transporte vai fazer com que a
distribuição eficiente de produtos e os serviços de mobilidade fornecidos pelo
transporte coletivo de passageiros fiquem cada vez mais restritos podendo até
serem interrompidos pela falta de profissionais”.
Embora a impressão de muitos
jovens na Europa é que ser motorista de caminhão é para quem tem menos
habilidade ou capacidade é equivocada, porque a legislação é bastante rígida.
Tanto é que em 2003 foi publicada a diretiva 059 que estabelece as normas para
a qualificação inicial e a formação contínua dos motoristas profissionais de
transporte de carga e passageiros para todos os países que fazem parte da UE, o
que garante profissionais com a mesma qualificação e, consequentemente, uma
competição mais justa.
Para ser um motorista
profissional na Europa, alguns países exigem treinamento teórico, prático e
exame. Outros pedem apenas o exame, porque a lei permite as duas coisas. Já os
condutores formados são obrigados a realizar reciclagem de, no mínimo, 35 horas
a cada cinco anos. O problema, segundo Claudia Ball, é que a teoria nem sempre
é colocada em prática. “Infelizmente, os resultados de nossa pesquisa mostram
que o objetivo da diretiva de chegar a uma qualificação mínima comum não foi
alcançado, simplesmente porque a maneira como o treinamento é implementado nos
países europeus difere muito. No entanto, estamos valorizando muito as
características individuais dos países europeus e não queremos que o
treinamento dos motoristas seja harmonizado ou regulado em toda Europa. É por
isso que estamos propondo a implementação de uma abordagem que chamamos de
‘Resultados de Aprendizagem’ (LO, na sigla em inglês) para o treinamento de
profissionais na Europa”.
O impacto da crise na demanda por
condutores profissionais é bastante claro, como explica o diretor geral da
Confederação Espanhola de Transporte de Mercadorias, Miguel Martinéz.
“Logicamente a crise está tendo um impacto fundamental no transporte, porque
ele é um dos elos de toda a cadeia. Antes, havia carência de motoristas e era
difícil atrair os jovens ou encontrar profissionais que tivessem formação
adequada. Entre 1997 e 2007 vivemos uma etapa em que era difícil encontrar
quase qualquer tipo de profissional, mas melhoramos as condições de trabalho
com plano de carreira, as condições econômicas e laborais e conseguimos atrair
muita gente”, afirma. Ele diz que a Espanha não sofre atualmente com déficit de
motoristas profissionais e até mesmo ‘exporta’ alguns deles.
Por outro lado, Claudia Ball diz
que o déficit de motoristas diminuiu durante a crise e alguns até chegaram a
perder seus empregos. “Muitos dos que foram demitidos tiveram a oportunidade de
buscar outra colocação, ocasionalmente um emprego para o qual eles já eram
treinados antes de se tornarem motoristas porque não conseguiam uma vaga para
aquela posição em que era treinado. Assim, quando a economia melhorar e eles
mantiverem os empregos atuais – ao invés de voltar a serem motoristas
profissionais – haverá aumento do déficit destes profissionais na Europa”.
James Tillyer, da Eurotra, confirma essa mudança de área para muitos
profissionais e aponta outro problema. “A crise significa também que muitas
companhias não estão realizando tantos treinamentos quanto antes. Além disso, a
obrigatoriedade do treinamento para novos condutores está sendo ‘adiada’ por
muitas empresas que irão esperar até o último minuto para colocar seus
motoristas no treinamento obrigatório”.
Miguel Martinéz ressalta que até
esse momento de crise tem um lado positivo. “Há um incremento na formação
porque os trabalhadores têm mais tempo e as empresas muitas vezes não estão
usando toda a sua frota. As montadoras tiveram queda nas vendas, mas têm mais
oferta de formação para conquistar clientes. Há uma maior atenção para os
pequenos clientes, porque elas sabem que a decisão de compra e transmissão de
satisfação está no autônomo”.
De um país para outro
Em tempos de crise na Europa,
muitos carreteiros estão aproveitando a situação do mercado laboral para
emigrar para outros países que oferecem melhores condições de trabalho. Segundo
Miguel Martinéz, diretor da CETM espanhola, profissionais espanhóis têm ido
para países da América do Sul. Tillyer, da Eurotra, confirma. “A Espanha sempre
teve um número alto de motoristas autônomos e, com a força da economia
brasileira, muitos estão vendo o Brasil como uma grande oportunidade para
começar uma nova vida. Suspeito que esteja acontecendo a mesma coisa com os
motoristas portugueses. De fato, o Canadá também tem um forte programa de
recrutamento, com a possibilidade de condutores alemães e dinamarqueses se
realocarem para ajudar a indústria canadense. No entanto, lembramos que a
realocação de motoristas europeus para outras partes do mundo deixa um problema
ainda maior para a Europa e pode fazer com que o continente comece a recrutar
profissionais asiáticos”.
Para Claudia Ball, a situação
varia de acordo com cada país. “A minha impressão é de que os motoristas
alemães e do Leste Europeu são mais propensos a trabalhar em outros países.
Para os alemães, a Noruega, Suécia, Áustria, Holanda e Dinamarca são atualmente
países interessantes porque oferecem salários mais altos e a profissão tem uma
melhor reputação. Em relação à mobilidade de emprego fora da Europa, o Canadá
costumava ser um destino interessante para motoristas europeus devido às boas
condições de trabalho, ao idioma e à política de imigração”. Dentro da própria
Europa, Tillyer diz que Escandinávia e Norte da Europa são bastante afetados.
“No Leste europeu, muitas companhias estão recrutando motoristas de países
vizinhos, como a Polônia tem feito ao recrutar condutores da Ucrânia, por
exemplo”.
Fonte: Revista O Carreteiro