Para o
carreteiro que ainda procura se adaptar às normas da Lei do Descanso, como
ficou conhecida a lei que regulamenta a profissão de motorista, itens como horas extras e horas
de espera continuam obscuros, principalmente quando a viagem é longa, sujeita a
esperas para carregar e descarregar, além das famigeradas aduanas, onde as
esperas podem se prolongar por vários dias até a liberação da carga.
De acordo
com o presidente do Sindimercosul (Sindicato dos Trabalhadores em Transportes
de Cargas de Linhas Internacionais do Rio Grande do Sul), Jorge Frizzo, 55 anos
e há 38 no setor, há uma preocupação grande para a ampla divulgação da lei
entre os motoristas e transportadoras. E que, de uma maneira geral, são as
grandes empresas, as mais bem estruturadas que cumprem todas as determinações
legais, pagando todos os direitos do motorista. Lembra que mesmo assim, são
pagas as diárias – porém as horas extras e horas de espera não são incluídas,
gerando um passivo trabalhista.
Frizzo lembra que além da jornada
de oito horas de trabalho, são permitidas mais duas extras por dia, com valor50% superior ao da hora normal ou
valor superior, previsto da Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo. E as horas
em que o veículo permanece parado são consideradas de espera? Depende. Caso a
empresa exija a permanência do motorista junto ao veículo, após a jornada de
oito horas de trabalho, será considerada espera. Caso o motorista ou ajudante
permaneça junto ao veículo por vontade própria durante o seu período de
repouso, não será considerado hora de espera. Daí as dificuldades em situar as
condições em que o motorista aguarda a carga ou descarga após o horário
regulamentar. Ou, as intermináveis esperas nas aduanas.
Conforme explica a gerente
regional do Ministério do Trabalho e Emprego, em Uruguaiana/RS, Ana Maria
Torelly, 54 anos de idade e 10 no cargo, o motorista deve manter guardados
cópia de todos os documentos, como diário de bordo e recibos de salários para,
no caso de se sentir lesado, procurar orientação sobre os seus direitos.
Segundo ela, pelo menos 90% das empresas de transportes estão se adequando à
legislação, pagando os motoristas de maneira correta. Quanto às esperas nas
aduanas, reconhece que não são pagas, pois ficam por conta do “risco da
atividade, o chamado Custo Brasil”, um assunto complexo, enfim.
Lembra, no entanto, que apesar
desses detalhes, e mesmo que ao final o motorista acabe ganhando menos do que
ganhava antes da lei, quando trafegava de forma contínua por muitas horas,
agora há uma enorme diminuição de acidentes com muitas vidas sendo salvas.
Vale lembrar que a fiscalização
continua implacável. O auditor do Ministério do Trabalho e Emprego, Jorge André
Borges de Souza, diz que além das visitas periódicas às empresas
transportadoras, também examina com muita atenção os discos de tacógrafo e as planilhas do
diário de bordo, detectando eventuais falhas. Lembra que as empresas precisam
cumprir a lei ou terão sérios prejuízos mais tarde, pois estarão acumulando
passivos trabalhistas, os quais certamente acabarão sendo cobrados. As horas
extras e horas de espera devem constar na planilha para o respectivo pagamento.
Lembra que muitas empresas anotam um salário na carteira profissional e pagam
outro valor, onde são incluídas vantagens como bonificações ou horas extras.
Tudo, no entanto, é conferido na fiscalização.
O carreteiro Claudomir Farina,
natural de Lagoa Vermelha/RS, tem 46 anos de idade e 28 de estrada. Trabalha no
transporte nacional e internacional, “viajando para onde a empresa manda ou
para onde tem o melhor frete”. Garante que gostou da nova Lei do Descanso,
porque se pode trafegar mais sossegado, cumprindo as determinações da empresa e
parando nos locais pré-estabelecidos. Segundo ele, não há grandes problemas de
esperas para carregar ou descarregar o caminhão. Lembra que boa parte das
empresas já opera com agendamento, evitando com isso que o caminhão fique
parado por muito tempo.
O caminhão precisa rodar, não
pode ficar parado. A reclamação, no entanto, fica por conta da burocracia nas
aduanas. Farina conta que em Uruguaiana/RS, costuma perder um ou dois dias para
a liberação da carga, e mais dois dias em Paso de los Libres/AR. São, no
mínimo, três dias perdidos numa viagem a Buenos Aires e que, embora ganhe as
diárias para a sua manutenção, é um problema porque não ganha extras mesmo
ficando à disposição da empresa, além da chateação de ficar todo esse tempo
parado, sem fazer nada, a não ser limpar o caminhão e conversar com amigos do
trecho. “Tudo por conta de uma burocracia sem explicação”, ressalta.
Argentino naturalizado
brasileiro, o carreteiro Miguel Lopez, 52 anos e 20 de estrada, residente em
Foz do Iguaçú/PR, trabalha com uma carreta câmara fria, viajando entre São
Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Buenos Aires, Mar del Plata e Neuquén
(Argentina). Ganha salário fixo e bonificação por quilômetro rodado, que se
torna insignificante nas viagens internacionais em razão do tempo que fica
parado nas aduanas à espera da liberação das cargas, conforme afirma.
Na viagem que foi entrevistado,
por exemplo, Lopez aproveitou as férias escolares do filho Matheus, de 11 anos
de idade, para levá-lo junto a Buenos Aires. Porém, na ocasião já estava parado
em Uruguaiana/RS, havia uma semana, à espera de liberação da documentação da
carga. As aulas do menino recomeçariam em alguns dias, por isso ele deixou o
caminhão aos cuidados de colegas da transportadora em que trabalha para levar o
menino de volta para casa. Resultado: “transtornos e despesas desnecessárias
por conta de uma estrutura emperrada em países integrantes do Mercosul”,
desabafa.
Ainda de acordo com Lopez, nenhum
problema grave para carregar ou descarregar o caminhão, nenhuma reclamação
referente a salários ou seus direitos trabalhistas, já que a empresa é muito
correta. “A perda de tempo e estresse acontecem mesmo nas fronteiras, nas
aduanas”, salienta entristecido. E mais entristecido, ainda, o menino Matheus
que, além de suportar o rigoroso inverno na cabine do caminhão, não pôde ir a
Buenos Aires com o pai. “Afinal, o homem planeja e Deus ri”, reconhece Miguel
Lopez.
Depois de atuar por muitos anos
no transporte internacional, o autônomo Hari Rau, 61 anos, 40 de volante, natural
de Bagé/RS, e dono de uma carreta, viu os lucros diminuírem ao final de cada
viagem, em razão das alterações cambiais e das intermináveis esperas nas
aduanas para a liberação das cargas. Segundo ele, para carregar e descarregar,
as esperas eram pequenas, nada fora do comum e que causasse transtorno.
E nem mesmo a necessidade de
trabalhar dentro dos limites impostos pela nova legislação incomodava tanto ou
causava prejuízo como as esperas nas aduanas. Além disso, poucas empresas
pagavam diárias e as despesas com alimentação corriam por conta própria. Por
isso, optou por trabalhar apenas no mercado interno, sem maiores problemas.
Afirma que praticamente todas as cargas são agendadas, inclusive para
descarregar, resultando em maior produtividade, porque não perde tempo com o
caminhão parado.
Também descontente com a enorme
perda de tempo nas aduanas, Roberto Arns Ramborger, conhecido no trecho como
Gringo, 35 anos, sete de profissão, natural de São Luiz Gonzaga/RS e também
dono de uma carreta, transporta polietileno para Buenos Aires e traz
conglomerados de madeira para a indústria moveleira de Bento Gonçalves/RS. Na
ocasião estava concluindo a compra de um caminhão trucado para
operar apenas dentro do Brasil e assumindo uma dívida de pouco mais de R$ 2
mil, a qual acreditava que não teria dificuldades para pagar.
Ramborger trabalha sozinho, e
mesmo com as restrições de horário impostas pela nova lei, vai trabalhar
tranquilo. Segundo ele, as esperas para carga e descarga não preocupam, pois,
de uma maneira geral, são rápidas. Lembra que na Argentina também perde tempo
porque é o próprio motorista o responsável pelo enlonamento da carga que,
dependendo da altura, pode demorar até duas horas, numa atividade extremamente
cansativa. No Brasil tudo é mais fácil e não se perde tanto tempo, o que dá
mais lucro no fim do mês, garante. Ele próprio negocia o valor dos fretes,
controla as despesas e sabe quanto vai sobrar – a não ser algum imprevisto, “que
ninguém está livre”, afirma.
Para o estradeiro Juarez
Evangelista Bento, 56 anos de idade e 36 de profissão, natural de Curitiba/PR,
não existe problema no horário de trabalho. Ele dirige uma prancha para o
transporte de máquinas agrícolas e com autorização para trafegar das 6h da
manhã às 6h da tarde.
Evidentemente, também está
sujeito às esperas nas aduanas quando viaja para Argentina e Chile, quando fica
três ou quatro dias esperando a liberação dos documentos e da carga. Porém,
quando acontece de fazer entregas fracionadas nas revendas, ou mesmo nas
lavouras, pode ficar até cinco dias nas operações de descarregamento das
máquinas, uma tarefa delicada e difícil, acentua. Não ganha hora extra, porém
não se queixa. Tem salário fixo, diárias e comissão sobre o valor do frete, que
somados à aposentadoria, rende uns R$ 4 mil ao final do mês. “Nada mal para
quem já criou e encaminhou os filhos e agora vive apenas com a mulher”,
salienta.
Também atuando no transporte de
máquinas agrícolas e cargas especiais, Natanael Conceição França, o Nato, como
é mais conhecido, tem 34 anos e está há 15 no trecho. Natural de Apiaí/SP – e
atualmente residindo em Curitiba/PR -, tinha na ocasião acabado de assumir o
volante de um caminhão novo, o qual estava ainda à espera da liberação do
permisso (licença) para entrar na rota internacional.
Natanael está acostumado a viajar
por estradas do Brasil e de países como Argentina, Chile, Peru e Bolívia e até
na Venezuela. Conta que já passou de tudo, com problemas de carga e descarga,
com algumas esperas, porém nada comparado com a burocracia nas aduanas, onde
sempre as esperas são de vários dias. Lembra que numa ocasião ficou 18 dias
trancado na fronteira entre Bolívia e Peru, na localidade de Desaguadero.
Portanto, está acostumado. Não reclama, acredita que tem um bom salário e,
afinal, essa é a profissão que escolheu.
Fonte: Revista O Carreteiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário