A região
de Campinas se tornou o novo foco das quadrilhas de roubo de cargas em São
Paulo. Esse tipo de crime avançou 46% neste ano na região, enquanto no Estado o
crescimento foi de 3%.
Os ladrões são atraídos pelas características
da indústria local -que concentra montadoras de eletroeletrônicos- e pelo fluxo
de mercadorias em torno de Viracopos, o segundo maior aeroporto de cargas do
país.
Apenas nas últimas seis semanas
houve seis grandes assaltos -e cerca de R$ 9 milhões em itens roubados.
Alguns crimes ocorreram quase ao
mesmo tempo, como no último dia 24.
Às 10h30, bandidos levaram R$ 1,3
milhão em celulares na rodovia Dom Pedro 1º, em Nazaré Paulista. Duas horas
depois, uma carga de microprocessadores também avaliada em R$ 1,3 milhão -e com
apenas 41 kg- era roubada na rodovia dos Bandeirantes, em Campinas.
“Campinas virou o ‘Triângulo das
Bermudas’ do roubo de cargas”, diz Autair Iuga, presidente do Semeesp
(Sindicato das Empresas de Escolta de SP), em referência à região do mar do
Caribe conhecida pelo desaparecimento de navios e aviões.
Iuga atribui a situação ao perfil
do parque industrial. “Os roubos de eletroeletrônicos hoje são coqueluche, e
todas as indústrias que montam esses produtos estão na região.”
Segundo Orlando Fontes Lima Jr.,
do laboratório de logística da Unicamp, pelo “Triângulo” passa mais da metade
do valor total das mercadorias transportadas no Estado.
As quadrilhas atuam sobretudo nas
rodovias, durante o traslado das cargas entre Viracopos e empresas como Dell,
LG e Samsung.
O caso mais recente ocorreu na
terça, quando parte de uma carga de celulares da Samsung, avaliada em R$ 1,4
milhão, foi levada na rodovia José Roberto Magalhães Teixeira, que liga a Dom
Pedro 1º à via Anhanguera.
Horas depois, a polícia recuperou
631 dos 900 aparelhos numa casa, onde apreenderam fuzis, pistolas, revólveres e
veículos. Ninguém foi preso.
Logística do crime
A boa estrutura de estradas
também facilita a ação dos bandidos. “Temos as melhores estradas, e o roubo de
carga é beneficiado pelo escoamento [dos produtos]“, lamenta Anselmo Riso,
diretor de comércio exterior do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de SP)
em Campinas.
As 462 ocorrências de roubo de
carga registradas na área de Campinas de janeiro a setembro deste ano já
superam os 425 casos de 2012.
Os crimes se concentram em
Campinas, Jundiaí, Itupeva, Indaiatuba, Louveira, Valinhos e Vinhedo -cidades
cortadas pelas rodovias Anhanguera, Bandeirantes, Santos Dumont e Dom Pedro-,
mas ainda há ocorrências em outras cidades próximas, como Nazaré Paulista.
Juntos, os municípios do
“Triângulo das Bermudas” respondem por 87% dos roubos de carga na região. E os
números individuais de crescimento ante 2012 são alarmantes: 700% (Itupeva),
400% (Indaiatuba), 167% (Vinhedo), 150% (Jundiaí), 117% (Valinhos), 67% (Louveira).
Especialista em logística,
Fernando Salgado, da FGV, prevê aumento de custos. “Se o roubo aumentou 46% na
região de Campinas, o preço do seguro [das cargas] vai aumentar na mesma
proporção. E se o preço do frete aumenta, aumenta o produto.”
Outro ladoA cúpula da Secretaria de
Segurança Pública de São Paulo e as polícias Civil e Militar afirmam que estão
tomando ações para combater a atuação de criminosos especializados em roubo de
cargas na região de Campinas e e em todo o Estado.
Na semana passada, o governador
Geraldo Alckmin (PSDB) e o secretário estadual da Segurança Pública, Fernando
Grella Vieira, anunciaram a criação de “núcleos de roubo, furto e desvio de
carga”.
Alckmin disse que a área de
Campinas terá “tratamento especial”, onde o crescimento nesse tipo de crime foi
de 46% neste ano em relação ao ano passado. Afirmou também e que haverá
foco nos receptadores.
“Queremos chegar até o
receptador, porque alguém está vendendo carga roubada, até montando”, disse.
Sobre a região de Campinas, a
pasta da Segurança informou que criará um banco de dados sobre roubo de cargas
a ser abastecido pelas delegacias seccionais da área.
‘Calo no pé’
O coronel Carlos Júnior,
comandante da Polícia Militar na região de Campinas, define o roubo de cargas
como o atual “calo no pé” da corporação paulista.
“Estamos mapeando as regiões e os
horários mais críticos e desenvolvendo um serviço de inteligência para combater
esse tipo de crime”, afirma o militar.
Esforços direcionados
O capitão Vladimir Ribeiro,
comandante da Polícia Militar Rodoviária nos trechos das rodovias Santos
Dumont, Anhanguera e Bandeirantes que cortam Campinas, afirma que o
patrulhamento está sendo direcionado pelas estatísticas, com reforço em locais
e horários críticos.
“O roubo de cargas é o que mais
nos preocupa e é para onde estamos direcionando nossos esforços”, afirma.
Falta de combate à receptação de
cargas roubadas é maior obstáculo
Profissionais do setor de
transporte e de escolta armada -e até a polícia- apontam a falta de combate à
receptação como o principal estímulo ao roubo de cargas.
“Para onde vai essa carga
roubada? Quem compra?”, diz o capitão Vladimir Ribeiro, comandante da Polícia
Militar Rodoviária na região de Campinas.
“Nosso papel é repressão
imediata, mas os marginais têm informação privilegiada. Ou você acha que eles
vão para a rodovia e falam: ‘Vamos roubar aquele caminhão ali’?”
O modus operandi dos bandidos
corrobora a teoria: são quadrilhas fortemente armadas, com veículos potentes e
que abordam caminhões em locais de velocidade reduzida e com rotas de fuga,
como alças de acesso.
E os sindicatos fazem coro nos
pedidos de atuação contra a receptação. “Cobramos da polícia [ações contra] a
desova da carga roubada”, diz Lúcio Cláudio Lima, diretor do SindForte
(sindicato dos trabalhadores de guarda e transporte de valores de SP).
“A situação está preocupante.
Combater só roubo de carga não adianta”, diz Edson Beraldo, do Sindicamp
(sindicato das empresas de transporte de carga de Campinas e região).
Altair Iuga, do Semeesp (sindicato
das empresas de escolta do Estado), reconhece que se trata de um trabalho
difícil. “Temos uma extensão territorial muito grande na região. Em 40 minutos
o ladrão está dentro de uma chácara ou galpão, e a recuperação fica muito
difícil.”
O dirigente defende investimento
em inteligência para tentar frear a onda de crimes, como na criação de uma
central que possa compartilhar, em tempo real, todas as informações sobre esses
delitos. “Só assim poderemos dar uma resposta.”
Fonte: Folha de São Paulo
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