O retrato
da malha rodoviária brasileira está cada vez mais desanimador para os
profissionais que atuam notransporte rodoviário de cargas. As
reclamações quase sempre estão relacionadas à má condição de tráfego e
infraestrutura inadequada para atender, de maneira satisfatória, os milhares de
caminhões que trafegam pelas rodovias. Além de tornar as viagens mais lentas,
perigosas e estressantes para os motoristas decaminhão, o péssimo estado de conservação
e falta de mais vias aumentam os custos logísticos das
empresas.
Pesquisa realizada pela Fundação
Dom Cabral, por meio de seu Núcleo CCR de Infraestrutura e Logística, com 126
empresas de vários setores, que juntas representam 20% do PIB nacional, mostrou
que o transporte de longa distância é o que mais pesa no custo logístico do
País, participando, em média, com 38% do total do gasto. Em relação aos
fatores, 54,5% das empresas declararam que as estradas em más condições representam
a maior causa deste aumento.
Em um País onde cerca de 60% de
tudo o que é produzido segue de caminhão, esta situação chega a ser
inadmissível. Atualmente, a malha rodoviária do Brasil é formada por 1,6 milhão
de quilômetros de estradas e desse total apenas 200 mil quilômetros são
pavimentados.
De acordo com o Instituto de
Logística e Supply Chain, o Brasil está muito aquém das principais economias do
globo. Os Estados Unidos, por exemplo, país com características territoriais
semelhantes, são cortados por 4,37 milhões de km de rodovias pavimentadas, malha 20 vezes
maior do que a brasileira. Já a Índia, mesmo tendo um terço do território
brasileiro, possui malha pavimentada sete vezes maior do que a do Brasil.
Outro agravante no País é o fato
de algumas dessas vias pavimentadas sequer terem obtido boa classificação, de
acordo com a última pesquisa realizada pela CNT. O estudo revelou que dos
95.707 quilômetros de estradas verificadas, 28.327 km foram consideradas em
estado regular, 16.751 km como ruim e 8.148 péssimo, ou seja, mais de 60% das
rodovias não atendem de maneira satisfatória os usuários.
Para Neuto Gonçalves dos Reis,
diretor técnico da NTC Logística, as estradas deveriam estar sempre em primeiro
plano no Brasil, por ser um País extremamente rodoviário. “Atualmente temos
estradas insuficientes em qualidade e quantidade. Apenas 14% são pavimentadas.
Com isso temos 30% de aumento de custos em função da qualidade da estrada que
provoca demora e aumento das variáveis, tais como consumo de pneus e
combustível, entre outros itenas”, destaca.
O Brasil teve um período alto de
investimento durante o governo JK. Porém, a falta de aplicação de recursos na
infraestrutura, ocorrida principalmente entre 1991 e 2003, resultou no mau
estado das rodovias brasileiras. Mesmo com o crescimento de 300% da malha
pavimentada durante os últimos 40 anos, a situação das estradas ainda prejudica
o setor de transportes e causa impacto direto sobre o custo operacional dos
caminhões.
“O PAC está empacado com algumas
obras com até quatro anos de atraso, como é o caso da BR-101 e a BR-163 (Cuiabá
e Santarém). Os motivos variam em falta de licença ambiental, corrupção e
desapropriação”, destaca. Recentemente, o governo anunciou o Programa de
Investimento em Logística, que prevê mais 7,5 mil km de estradas entre duplicação
e construção de novas.
Enquanto as promessas do governo
ficam apenas no papel, os carreteiros sofrem para fazer com que as mercadorias
cheguem ao destino no prazo estipulado e sem avarias. Marcio Moreira Niza, de
Citrolândia/MT, 36 anos de idade e 10 de profissão, atua no transporte de
grãos, e na ocasião da reportagem estava parado no acostamento da rodovia
Anchieta (na altura de São Bernardo do Campo) com problemas no caminhão.
“Viajo bastante por essas estradas brasileiras e posso garantir que algumas
estão acabadas. A BR- 020, a Trans Piauí, por exemplo, não tem estrada, não tem
acostamento, os acidentes são constantes, inclusive envolvendo animais soltos
na pista. O trecho tem 800 km que poderiam ser realizados em um dia ou 12
horas, porém perdemos de dois a três dias dependendo do estado da pista. Isso
acaba com o meu caminhão, como dá para ver, está caindo aos pedaços e a cabine
completamente desalinhada”, descreve. Em contrapartida, Márcio faz questão de
ressaltar que as BRs 163 e 242 estão em situação bem diferente, assim como a
maioria das rodovias do Estado de São Paulo também são ótimas. “Eu, assim como
vários colegas, não somos contra o pedágio, porque, ao menos temos estradas
boas para trafegar, mas os valores deveriam ser mais baixos”, explicou.
Para Paulo de Oliveira Silva, 43
anos de idade e 19 de profissão, de Guarulhos/SP, que trabalha no transporte de
carga fracionada para o Nordeste, um dos piores trechos do País está localizado
na BR-101, entre Alagoas e Recife. Na ocasião da reportagem, ele havia acabado
de chegar e tinha caído em um buraco e quebrado o pino de centro e o grampo dos
feixes de mola. “Não tem mais estrada só buracos. Do Posto fiscal em Xexeu
(divisa com Pernambuco e Alagoas) até Recife são 140 quilômetros que poderiam
ser feitos em até 2h30, mas por conta do estado de conservação somos obrigados
a gastar 3h30 a 4h. Conseguimos andar no máximo a 30km/h, não tem acostamento e
muito menos um posto decente para nos atender. Roubo é o que não falta. Os
acidentes são constantes e os gastos com manutenção também são altos, já que o
consumo dos pneus, combustível e óleo são maiores”.
Para evitar transtornos, mesmo
achando um absurdo, Paulo contabiliza estes imprevistos para poder cumprir as
metas de horários pré estabelecidos. “Ninguém quer saber se tem buraco na
pista. Quer a mercadoria na hora, caso contrario reduz 10% da comissão”. Outra
reclamação é sobre o trecho entre Xexeu/PE e Palmares/PE, são 17 km sem
duplicação. Há três anos se discute sobre as obras paradas devido indícios de
desvio de dinheiro.
“Na BR-116 (Bahia) cobra-se
pedágio por uma estrada cheia de buracos. A BR-132, entre Montes Claros e a
divisa de Minas Gerais tem muitas ondulações, o que faz o caminhão trepidar
demais”. Assim como a maioria dos carreteiros, Paulo considera as estradas de
São Paulo as melhores do País, porém reclama que paga-se caro por isso. “O
custo do pedágio é muito alto. De Lins a Santos, por exemplo, gasto cerca de
450 reais em pedágio”, afirmou.
Lauri Gomes, de São Marcos/RS,
tem 36 anos de idade e apenas 6 meses de profissão. É empregado e faz a rota
São Paulo e Sul do País transportando bolacha e macarrão. Na sua avaliação, até
Santa Catarina as estradas estão boas, mas de Vacaria para Caxias do Sul –
local onde o pedágio foi dasativado há 4 meses – a estrada já começou a dar
problemas, com muitos buracos pela pista, o que, segundo ele vem aumentando os
gastos com manutenção. “Quando a estrada é pedagiada, se um veículo quebra tem
socorro em menos de 10 minutos. Porém, se isso acontecer em um local como esse
tem de sentar, esperar e correr o risco de ser assaltado. Outro ponto
importante é a questão da fiscalização, que deveria ser maior por parte dos
Policiais Rodoviários Federais”, opina.
Eduardo Camargo Martins, de São
Paulo/SP, já viajou por todo o País. É empregado e transporta eletrodomésticos
para o Sul do País e volta com bolacha. Com 43 anos de idade e 23 de profissão,
afirma que a região mais sofrida em termos de infraestrutura de estradas é Mato
Grosso do Sul, principalmente a partir de Sapezal. As estradas não são
asfaltadas, o caminhão corre risco de tombar e atolar.
Outra rodovia bastante utilizada
por Eduardo Camargo é a BR-116 no trecho da Serra do Cafezal sentido Sul. As
obras de duplicação estão provocando grandes congetionamentos e aumentando o
risco de assaltos. “Os ladrões abrem os baús e pegam a mercadoria, um prejuízo
só”. Eduardo aproveita para questionar a Lei 12.619. Em sua opinião, as
estradas brasileiras não estão preparadas para atender os requisitos, por não
terem local adequado para parar. “O Brasil está longe de ser como a Europa, que
oferece lugares seguros e com estrutura para receber os caminhões. Aqui se você
não abastece não tem o direito de parar o caminhão para comer, ir ao banheiro
ou dormir”.
Mesmo para os que fazem trechos
curtos e urbanos, a falta de infraestrutura e restrições, como acontece na
cidade de São Paulo, atrapalham o andamento do trabalho e já se tornou uma da
principais reclamações dos motoristas. Ricardo Pereira, 55 anos de idade, 30 de
profissão, de Serrana/SP, viaja entre Sumaré e Santos transportando aço para
exportação. É autônomo e apesar de não ter muito o que reclamar das estradas
garante que as restrições na cidade de São Paulo atrapalham bastante. “Não
temos local onde parar e esperar o horário permitido. Aí corremos o risco de
levar multa nos acostamentos, de sermos assaltados ou ter de gastar com os
poucos estacionamentos disponíveis. É horrível ficar quatro horas parado dentro
do caminhão sem ter o que fazer e sem estrutura alguma”, reclama.
Ricardo explica que essa situação
contribui para aumentar o estresse e faz questão de ressaltar que não é contra
essas medidas, apenas gostaria que o período não fosse tão extenso. “Já
aconteceu de carregar em Santo André para Sumaré, porém, como já eram 15h30
tive de esperar até as 22h, não temos rota alternativa”.
Antonio Francisco, 56 anos de
idade e 30 de profissão, é de Catanduva/SP, empregado trabalha no transporte de
açúcar, milho, soja, adubo. Viaja de Goiás ao porto de Santos/SP. Para ele, o
grande problema se concentra na cidade de São Paulo por conta do excesso de
carro que provoca os congestionamentos. Sem contar o trecho de Serra da Via
Anchieta, quase sempre parada o que, segundo ele, testa a paciência dos
carreteiros. “Qualquer problema que acontece na serra sofremos. Temos de
aguardar horas a liberação da pista e sem nenhuma estrutura. Sempre carrego um
kit de sobrevivência com bolacha, água, pois nunca sei o que vou encontrar. É
um absurdo esse grande número de caminhões trafegando por aqui e termos apenas
a pista da direita para andar”, reclama.
Fonte: Revista O Carreteiro
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