terça-feira, 24 de setembro de 2013

Ineficiência viária



O retrato da malha rodoviária brasileira está cada vez mais desanimador para os profissionais que atuam notransporte rodoviário de cargas. As reclamações quase sempre estão relacionadas à má condição de tráfego e infraestrutura inadequada para atender, de maneira satisfatória, os milhares de caminhões que trafegam pelas rodovias. Além de tornar as viagens mais lentas, perigosas e estressantes para os motoristas decaminhão, o péssimo estado de conservação e falta de mais vias aumentam os custos logísticos das empresas.
Pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral, por meio de seu Núcleo CCR de Infraestrutura e Logística, com 126 empresas de vários setores, que juntas representam 20% do PIB nacional, mostrou que o transporte de longa distância é o que mais pesa no custo logístico do País, participando, em média, com 38% do total do gasto. Em relação aos fatores, 54,5% das empresas declararam que as estradas em más condições representam a maior causa deste aumento.
Em um País onde cerca de 60% de tudo o que é produzido segue de caminhão, esta situação chega a ser inadmissível. Atualmente, a malha rodoviária do Brasil é formada por 1,6 milhão de quilômetros de estradas e desse total apenas 200 mil quilômetros são pavimentados.
De acordo com o Instituto de Logística e Supply Chain, o Brasil está muito aquém das principais economias do globo. Os Estados Unidos, por exemplo, país com características territoriais semelhantes, são cortados por 4,37 milhões de km de rodovias pavimentadas, malha 20 vezes maior do que a brasileira. Já a Índia, mesmo tendo um terço do território brasileiro, possui malha pavimentada sete vezes maior do que a do Brasil.
Outro agravante no País é o fato de algumas dessas vias pavimentadas sequer terem obtido boa classificação, de acordo com a última pesquisa realizada pela CNT. O estudo revelou que dos 95.707 quilômetros de estradas verificadas, 28.327 km foram consideradas em estado regular, 16.751 km como ruim e 8.148 péssimo, ou seja, mais de 60% das rodovias não atendem de maneira satisfatória os usuários.
Para Neuto Gonçalves dos Reis, diretor técnico da NTC Logística, as estradas deveriam estar sempre em primeiro plano no Brasil, por ser um País extremamente rodoviário. “Atualmente temos estradas insuficientes em qualidade e quantidade. Apenas 14% são pavimentadas. Com isso temos 30% de aumento de custos em função da qualidade da estrada que provoca demora e aumento das variáveis, tais como consumo de pneus e combustível, entre outros itenas”, destaca.
O Brasil teve um período alto de investimento durante o governo JK. Porém, a falta de aplicação de recursos na infraestrutura, ocorrida principalmente entre 1991 e 2003, resultou no mau estado das rodovias brasileiras. Mesmo com o crescimento de 300% da malha pavimentada durante os últimos 40 anos, a situação das estradas ainda prejudica o setor de transportes e causa impacto direto sobre o custo operacional dos caminhões.
“O PAC está empacado com algumas obras com até quatro anos de atraso, como é o caso da BR-101 e a BR-163 (Cuiabá e Santarém). Os motivos variam em falta de licença ambiental, corrupção e desapropriação”, destaca. Recentemente, o governo anunciou o Programa de Investimento em Logística, que prevê mais 7,5 mil km de estradas entre duplicação e construção de novas.
Enquanto as promessas do governo ficam apenas no papel, os carreteiros sofrem para fazer com que as mercadorias cheguem ao destino no prazo estipulado e sem avarias. Marcio Moreira Niza, de Citrolândia/MT, 36 anos de idade e 10 de profissão, atua no transporte de grãos, e na ocasião da reportagem estava parado no acostamento da rodovia Anchieta (na altura de São Bernardo do Campo) com problemas no caminhão. “Viajo bastante por essas estradas brasileiras e posso garantir que algumas estão acabadas. A BR- 020, a Trans Piauí, por exemplo, não tem estrada, não tem acostamento, os acidentes são constantes, inclusive envolvendo animais soltos na pista. O trecho tem 800 km que poderiam ser realizados em um dia ou 12 horas, porém perdemos de dois a três dias dependendo do estado da pista. Isso acaba com o meu caminhão, como dá para ver, está caindo aos pedaços e a cabine completamente desalinhada”, descreve. Em contrapartida, Márcio faz questão de ressaltar que as BRs 163 e 242 estão em situação bem diferente, assim como a maioria das rodovias do Estado de São Paulo também são ótimas. “Eu, assim como vários colegas, não somos contra o pedágio, porque, ao menos temos estradas boas para trafegar, mas os valores deveriam ser mais baixos”, explicou.
Para Paulo de Oliveira Silva, 43 anos de idade e 19 de profissão, de Guarulhos/SP, que trabalha no transporte de carga fracionada para o Nordeste, um dos piores trechos do País está localizado na BR-101, entre Alagoas e Recife. Na ocasião da reportagem, ele havia acabado de chegar e tinha caído em um buraco e quebrado o pino de centro e o grampo dos feixes de mola. “Não tem mais estrada só buracos. Do Posto fiscal em Xexeu (divisa com Pernambuco e Alagoas) até Recife são 140 quilômetros que poderiam ser feitos em até 2h30, mas por conta do estado de conservação somos obrigados a gastar 3h30 a 4h. Conseguimos andar no máximo a 30km/h, não tem acostamento e muito menos um posto decente para nos atender. Roubo é o que não falta. Os acidentes são constantes e os gastos com manutenção também são altos, já que o consumo dos pneus, combustível e óleo são maiores”.
Para evitar transtornos, mesmo achando um absurdo, Paulo contabiliza estes imprevistos para poder cumprir as metas de horários pré estabelecidos. “Ninguém quer saber se tem buraco na pista. Quer a mercadoria na hora, caso contrario reduz 10% da comissão”. Outra reclamação é sobre o trecho entre Xexeu/PE e Palmares/PE, são 17 km sem duplicação. Há três anos se discute sobre as obras paradas devido indícios de desvio de dinheiro.
“Na BR-116 (Bahia) cobra-se pedágio por uma estrada cheia de buracos. A BR-132, entre Montes Claros e a divisa de Minas Gerais tem muitas ondulações, o que faz o caminhão trepidar demais”. Assim como a maioria dos carreteiros, Paulo considera as estradas de São Paulo as melhores do País, porém reclama que paga-se caro por isso. “O custo do pedágio é muito alto. De Lins a Santos, por exemplo, gasto cerca de 450 reais em pedágio”, afirmou.
Lauri Gomes, de São Marcos/RS, tem 36 anos de idade e apenas 6 meses de profissão. É empregado e faz a rota São Paulo e Sul do País transportando bolacha e macarrão. Na sua avaliação, até Santa Catarina as estradas estão boas, mas de Vacaria para Caxias do Sul – local onde o pedágio foi dasativado há 4 meses – a estrada já começou a dar problemas, com muitos buracos pela pista, o que, segundo ele vem aumentando os gastos com manutenção. “Quando a estrada é pedagiada, se um veículo quebra tem socorro em menos de 10 minutos. Porém, se isso acontecer em um local como esse tem de sentar, esperar e correr o risco de ser assaltado. Outro ponto importante é a questão da fiscalização, que deveria ser maior por parte dos Policiais Rodoviários Federais”, opina.
Eduardo Camargo Martins, de São Paulo/SP, já viajou por todo o País. É empregado e transporta eletrodomésticos para o Sul do País e volta com bolacha. Com 43 anos de idade e 23 de profissão, afirma que a região mais sofrida em termos de infraestrutura de estradas é Mato Grosso do Sul, principalmente a partir de Sapezal. As estradas não são asfaltadas, o caminhão corre risco de tombar e atolar.
Outra rodovia bastante utilizada por Eduardo Camargo é a BR-116 no trecho da Serra do Cafezal sentido Sul. As obras de duplicação estão provocando grandes congetionamentos e aumentando o risco de assaltos. “Os ladrões abrem os baús e pegam a mercadoria, um prejuízo só”. Eduardo aproveita para questionar a Lei 12.619. Em sua opinião, as estradas brasileiras não estão preparadas para atender os requisitos, por não terem local adequado para parar. “O Brasil está longe de ser como a Europa, que oferece lugares seguros e com estrutura para receber os caminhões. Aqui se você não abastece não tem o direito de parar o caminhão para comer, ir ao banheiro ou dormir”.
Mesmo para os que fazem trechos curtos e urbanos, a falta de infraestrutura e restrições, como acontece na cidade de São Paulo, atrapalham o andamento do trabalho e já se tornou uma da principais reclamações dos motoristas. Ricardo Pereira, 55 anos de idade, 30 de profissão, de Serrana/SP, viaja entre Sumaré e Santos transportando aço para exportação. É autônomo e apesar de não ter muito o que reclamar das estradas garante que as restrições na cidade de São Paulo atrapalham bastante. “Não temos local onde parar e esperar o horário permitido. Aí corremos o risco de levar multa nos acostamentos, de sermos assaltados ou ter de gastar com os poucos estacionamentos disponíveis. É horrível ficar quatro horas parado dentro do caminhão sem ter o que fazer e sem estrutura alguma”, reclama.
Ricardo explica que essa situação contribui para aumentar o estresse e faz questão de ressaltar que não é contra essas medidas, apenas gostaria que o período não fosse tão extenso. “Já aconteceu de carregar em Santo André para Sumaré, porém, como já eram 15h30 tive de esperar até as 22h, não temos rota alternativa”.
Antonio Francisco, 56 anos de idade e 30 de profissão, é de Catanduva/SP, empregado trabalha no transporte de açúcar, milho, soja, adubo. Viaja de Goiás ao porto de Santos/SP. Para ele, o grande problema se concentra na cidade de São Paulo por conta do excesso de carro que provoca os congestionamentos. Sem contar o trecho de Serra da Via Anchieta, quase sempre parada o que, segundo ele, testa a paciência dos carreteiros. “Qualquer problema que acontece na serra sofremos. Temos de aguardar horas a liberação da pista e sem nenhuma estrutura. Sempre carrego um kit de sobrevivência com bolacha, água, pois nunca sei o que vou encontrar. É um absurdo esse grande número de caminhões trafegando por aqui e termos apenas a pista da direita para andar”, reclama.


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