Entre o caótico e violento trânsito do Cairo, no
Egito, e o exemplar comportamento dos motoristas de Estocolmo, na Suécia, o
Brasil ainda não chegou sequer no meio do caminho. “Estamos avançando na
direção certa, mas ainda muito próximos do atraso”, avalia o especialista em
comunicação sobre segurança no trânsito João Pedro Corrêa.
Criador do Programa Volvo de Segurança no Trânsito,
ele se dedica há mais de 25 anos à causa da segurança viária. Recentemente, J.
Pedro lançou em Curitiba o livro Cultura de Segurança no Trânsito – Casos
Brasileiros, que reúne iniciativas bem-sucedidas da esfera pública e na
iniciativa privada que contribuíram para a criação de um trânsito mais
humanizado.
Por que, apesar dos bons exemplos mostrados no
livro, ainda há tanta violência no trânsito brasileiro?
O ponto fundamental é que nós não temos no Brasil
uma cultura de segurança no trânsito. Se formos à raiz das causas, vamos
observar que não temos educação básica, ponto. Como não temos educação, não
sabemos o que significa civilidade ou convivência pacífica no trânsito.
E qual os efeitos práticos da criação dessa cultura
em uma sociedade?
O trânsito é o primeiro cartão de visitas de um
país, de uma cidade. É naqueles dez minutos iniciais no trânsito que você
percebe se aquela é uma sociedade organizada, desenvolvida. Esse nível de
desenvolvimento se reflete no desempenho da economia, em termos de
produtividade e, principalmente, de qualidade de vida.
O Brasil lidera o ranking de países com maior
número de mortes no trânsito. O que explica essa letargia?
A sociedade brasileira é tolerante com a tragédia do
trânsito. Mas a causa está na falta de prioridade que o governo dá ao trânsito
de maneira geral, e a questão da segurança de forma particular. Isso dá uma
ideia clara de que o valor vida, o valor da segurança, acaba ficando em segundo
plano.
Quais os pontos em comum dos casos bem-sucedidos de
programas de segurança no trânsito?
É a vontade política. Tanto no setor público quanto
na iniciativa privada. É a vontade de quem lidera o processo, de quem determina
o padrão de comportamento. Um ponto importante de qualquer programa é instigar
a sociedade a dar ideias de como melhorar a segurança e diminuir o número e a
severidade dos acidentes. Pagar essas ideias e trabalhar como catalisador e
jogá-las de volta para a própria sociedade.
A tecnologia é uma aliada para a redução dos
índices de mortalidade nas ruas e rodovias do país?
O mundo da segurança no trânsito hoje está baseado
em veículos mais inteligentes, estradas mais inteligentes e motoristas mais
conscientes e capazes. Os carros já conversam entre si, mas as pessoas estão
cada vez mais distantes uma das outras.
Qual o papel do poder público e da fiscalização
neste processo?
Só educação não adianta. Se um cidadão não segue as
regras, quem respeita as leis pode pagar com a própria vida. Na Suécia, se o
guarda da esquina pega alguém dirigindo bêbado, as consequências são severas –
não importa se é motorista é gerente da Volvo ou um deputado. Não tem jeitinho.
É a certeza da punição que coíbe a infração no trânsito. Já no Brasil, há
sempre a possibilidade da conversa, da amarração. Pela certeza de que um
advogado bom pode empurrar isso indefinidamente na Justiça. A raiz do problema
está podre. É um ponto que precisa ser tocado, enfrentado de forma coletiva.
As campanhas de blitze na lei seca ajudam a mostrar
o caminho?
Em partes. No início, a campanha deu certo, mas foi
só o governo reduzir o número de blitze que muito motorista já perdeu o medo de
beber e dirigir. Se ao invés de três, o governo fizer dez blitze por dia, os
índices vão reduzir drasticamente. Não há a menor dúvida. Se o governo quiser
de verdade e fizer investimento em fiscalização e punir, os índices vão cair
drasticamente.
Fonte: Gazeta do Povo
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