segunda-feira, 23 de setembro de 2013

“Empresas incentivam uso de rebites”, dizem caminhoneiros


Muitas horas ao volante e pouco tempo no travesseiro. As longas jornadas percorridas nas estradas do país fazem com que caminhoneiros adotem uma prática perigosa: o uso de drogas para se manterem acordados na direção. Não bastassem as péssimas condições de boa parte da malha viária brasileira, o consumo exacerbado de entorpecentes na boleia dos caminhões parece ter se tornado a nova “epidemia” das estradas. Muitos caminhoneiros revelam que são “aliciados” pelas empresas às quais prestam serviços para fazerem o uso de drogas. Eles pontuam que o “incentivo” visa sempre um maior rendimento do trabalho e, consequentemente, maior lucratividade para as transportadoras.
“Não é dizer que a culpa é 100% da empresa, mas geralmente elas insistem e o trabalhador acaba usando a droga. A empresa faz a cabeça do motorista e ele faz ‘besteira’”, declara o caminhoneiro Paulo Sérgio Nala, 54.
O Sindicato dos Motoristas Profissionais e Trabalhadores em Empresas de Transporte Terrestre de Cuiabá e Região (STETT/CR) reafirma que, em muitos casos, as empresas incentivam o uso de entorpecentes entre os trabalhadores. “A droga está inserida em todos os segmentos e no ramo do transporte não é diferente. Aliás, o transporte rodoviário é considerado um ótimo ‘mercado’ para os traficantes. O problema é que recebemos denúncias dando conta que o patrão incentiva o consumo de drogas”, assegurou o presidente do STETT/CR, Ledevino da Conceição.
Ainda segundo o sindicalista, é comum que os motoristas, por meio do rádio de seus caminhões, troquem informações sobre pontos onde a droga pode ser facilmente adquirida. “Temos dados que comprovam que mais de 50% dos acidentes nas estradas de Mato Grosso são causados por uso de drogas ou álcool, além das excessivas jornadas de trabalho”, afirma.
Outro fato destacado pelos profissionais que atuam na área é que está cada vez mais frequente encontrar jovens dirigindo caminhões nas estradas. “Hoje em dia a gente encontra muito moleque em cima do volante. Talvez pelo fato de eles aguentarem mais o ‘pique’ e serem convencidos de forma mais fácil sobre uso de droga”, observou Pedro Vargas.
Outro Lado
A reportagem entrou em contato com o Sindicato das Transportadoras de Mato Grosso (Sindmat) que alegou, por meio de assessoria de imprensa, que não irá se pronunciar quanto às alegações dos motoristas e do sindicato da categoria. O Sindmat declarou somente que as empresas são comprometidas com a saúde e asegurança dos profissionais.
Lei dos Caminhoneiros
Em julho deste ano, foi aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados o projeto de lei do deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) que revoga a Lei 12.619/2012 e amplia a jornada de trabalho dos motoristas. Desde que foi criada, em abril de 2012, a referida lei culminou em uma série de questionamentos. Caminhoneiros, empresários e transportadoras contestavam os impactos e as dificuldades para o cumprimento da legislação. Falta de infraestrutura nas estradas, ausência de locais adequados e com segurança para descanso e o aumento nos custos com o transporte foram algumas das dificuldades enfrentadas pelos profissionais do setor no primeiro ano de vigência da lei.
Um em cada três motoristas consome drogas ao volante
Dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Terrestre (CNTTT) apontam que um, em cada três motoristas, consome drogas enquanto está dirigindo, prática que põe em risco não somente a vida dos profissionais como a daqueles que dividem as estradas com eles. Ainda de acordo com a CNTTT, três em cada quatro acidentes são causados por falha humana, fato que inclusive é estampado diariamente nos noticiários. Casos que ocorreram sem um motivo aparente podem ser indícios de que o motorista dormiu ao volante, o que muitas vezes pode ter sido ocasionado em decorrência do uso de drogas.
Caminhoneiros são unânimes ao afirmar que o consumo de entorpecentes ou estimulantes passou a fazer parte da rotina dos profissionais. A anfetamina, por exemplo, popularmente conhecida como ‘rebite’, é um estimulante do sistema nervoso central, que faz o cérebro trabalhar mais depressa, sendo capaz de inibir o sono e o apetite. Em consequência disso, seu uso se popularizou entre os profissionais que tentam driblar as barreiras da sonolência, do cansaço e da fome.
“O uso de drogas é muito comum na nossa profissão, muitos companheiros ‘ficam turbinados’ pra poder ficar mais tempo acordados, trabalhar mais e conseguir um pouquinho mais de dinheiro ao final do mês. O que facilita isso é que é muito fácil conseguir a droga: você encosta num posto de gasolina, por exemplo, e dali a pouco já vem gente oferecendo pequenas quantidades da droga”, alegou o motorista Acir Pereira, de 55 anos de idade.
Uso de drogas aumenta em 95% risco de acidentes
Pesquisas da Faculdade de Ciências Médicas de São Paulo demonstram que ao fazerem o uso de “rebites”, os motoristas que, num primeiro momento ficam mais “acesos”, acabam perdendo seus reflexos quando o efeito da droga passa. O fato pode aumentar em até 95% o risco de acidentes, quando comparado a motoristas que não fizeram uso de entorpecentes. O que também causa preocupação é o fato de que, nos últimos anos, vem ocorrendo uma “migração” do uso da droga sintética para drogas mais pesadas e com maior poder de destruição, como a cocaína e o crack. “Antigamente a gente só ouvia falar do rebite; hoje em dia a coisa mudou, o que a gente mais vê é motorista usando maconha, cocaína e até crack”, revela o hoje comerciante Pedro Vargas, que carrega na “bagagem” a experiência de 33 anos na boleia do caminhão.
“Geralmente o profissional vive naquela loucura de carregar e descarregar e por isso vemos centenas de acidentes nas estradas”, completa.
Caminhoneiros passam mais de 24 horas ao volante
Mato Grosso tem hoje aproximadamente 8 mil caminhoneiros, segundo dados do sindicato da categoria. Muitos desses profissionais atuam no setor do agronegócio, que segundo Ledevino da Conceição é o responsável por uma grande parcela das jornadas de trabalho consideradas desumanas. Ele explica que isto ocorre porque os profissionais que atuam neste setor acabam tendo um fluxo maior de serviço durante o período de safra: “As empresas têm pressa de escoar a produção e, por isso, as exigências quanto a prazos são maiores”, alertou. “Liguei o veículo ontem por volta das 11 da manhã e estou parando agora ao meio-dia; são mais de 24 horas na
estrada”, relatou à reportagem o caminhoneiro Anderson Bonadio, 35 anos. Ele, que é natural do Paraná, revela que trabalha com o transporte de produtos perecíveis e, daí, a necessidade de prolongar a jornada.
Fonte: Circuito MT


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