Muitas
horas ao volante e pouco tempo no travesseiro. As longas jornadas percorridas
nas estradas do país fazem com que
caminhoneiros adotem uma prática perigosa: o uso de drogas para se manterem
acordados na direção. Não bastassem as péssimas condições de boa parte da malha
viária brasileira, o consumo exacerbado de entorpecentes na boleia dos
caminhões parece ter se tornado a nova “epidemia” das estradas. Muitos
caminhoneiros revelam que são “aliciados” pelas empresas às quais prestam
serviços para fazerem o uso de drogas. Eles pontuam que o “incentivo” visa
sempre um maior rendimento do trabalho e, consequentemente, maior lucratividade
para as transportadoras.
“Não é dizer que a culpa é 100%
da empresa, mas geralmente elas insistem e o trabalhador acaba usando a droga.
A empresa faz a cabeça do motorista e ele faz ‘besteira’”,
declara o caminhoneiro Paulo Sérgio Nala, 54.
O Sindicato dos Motoristas Profissionais e
Trabalhadores em Empresas de Transporte Terrestre de Cuiabá e Região (STETT/CR)
reafirma que, em muitos casos, as empresas incentivam o uso de entorpecentes
entre os trabalhadores. “A droga está inserida em todos os segmentos e no ramo
do transporte não é diferente. Aliás, o transporte rodoviário é considerado um
ótimo ‘mercado’ para os traficantes. O problema é que recebemos denúncias dando
conta que o patrão incentiva o consumo de drogas”, assegurou o presidente do
STETT/CR, Ledevino da Conceição.
Ainda segundo o sindicalista, é
comum que os motoristas, por meio do rádio de seus caminhões, troquem
informações sobre pontos onde a droga pode ser facilmente adquirida. “Temos
dados que comprovam que mais de 50% dos acidentes nas estradas de Mato Grosso
são causados por uso de drogas ou álcool, além das excessivas jornadas de
trabalho”, afirma.
Outro fato destacado pelos
profissionais que atuam na área é que está cada vez mais frequente encontrar
jovens dirigindo caminhões nas estradas.
“Hoje em dia a gente encontra muito moleque em cima do volante. Talvez pelo
fato de eles aguentarem mais o ‘pique’ e serem convencidos de forma mais fácil
sobre uso de droga”, observou Pedro Vargas.
Outro Lado
A reportagem entrou em contato
com o Sindicato das Transportadoras de Mato Grosso (Sindmat) que alegou, por
meio de assessoria de imprensa, que não irá se pronunciar quanto às alegações
dos motoristas e do sindicato da categoria. O Sindmat declarou somente que as
empresas são comprometidas com a saúde e asegurança dos profissionais.
Lei dos Caminhoneiros
Em julho deste ano, foi aprovado
na Comissão Especial da Câmara dos Deputados o projeto de lei do deputado
Valdir Colatto (PMDB-SC) que revoga a Lei 12.619/2012 e amplia a jornada de
trabalho dos motoristas. Desde que foi criada, em abril de 2012, a referida lei
culminou em uma série de questionamentos. Caminhoneiros, empresários e
transportadoras contestavam os impactos e as dificuldades para o cumprimento da
legislação. Falta de infraestrutura nas estradas, ausência de locais adequados
e com segurança para
descanso e o aumento nos custos com o transporte foram algumas das dificuldades
enfrentadas pelos profissionais do setor no primeiro ano de vigência da lei.
Um em cada três motoristas consome
drogas ao volante
Dados da Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Transporte Terrestre (CNTTT) apontam que um, em cada três
motoristas, consome drogas enquanto está dirigindo, prática que põe em risco
não somente a vida dos profissionais como a daqueles que dividem as estradas
com eles. Ainda de acordo com a CNTTT, três em cada quatro acidentes são
causados por falha humana, fato que inclusive é estampado diariamente nos
noticiários. Casos que ocorreram sem um motivo aparente podem ser indícios de que
o motorista dormiu ao volante, o que muitas vezes pode ter sido ocasionado em
decorrência do uso de drogas.
Caminhoneiros são unânimes ao
afirmar que o consumo de entorpecentes ou estimulantes passou a fazer parte da
rotina dos profissionais. A anfetamina, por exemplo, popularmente conhecida
como ‘rebite’, é um estimulante do sistema nervoso central, que faz o cérebro
trabalhar mais depressa, sendo capaz de inibir o sono e o apetite. Em
consequência disso, seu uso se popularizou entre os profissionais que tentam
driblar as barreiras da sonolência, do cansaço e da fome.
“O uso de drogas é muito comum na
nossa profissão, muitos companheiros ‘ficam turbinados’ pra poder ficar mais
tempo acordados, trabalhar mais e conseguir um pouquinho mais de dinheiro ao
final do mês. O que facilita isso é que é muito fácil conseguir a droga: você
encosta num posto de gasolina, por exemplo, e dali a pouco já vem gente
oferecendo pequenas quantidades da droga”, alegou o motorista Acir Pereira, de
55 anos de idade.
Uso de drogas aumenta em 95%
risco de acidentes
Pesquisas da Faculdade de
Ciências Médicas de São Paulo demonstram que ao fazerem o uso de “rebites”, os
motoristas que, num primeiro momento ficam mais “acesos”, acabam perdendo seus
reflexos quando o efeito da droga passa. O fato pode aumentar em até 95% o
risco de acidentes, quando comparado a motoristas que não fizeram uso de
entorpecentes. O que também causa preocupação é o fato de que, nos últimos
anos, vem ocorrendo uma “migração” do uso da droga sintética para drogas mais
pesadas e com maior poder de destruição, como a cocaína e o crack. “Antigamente
a gente só ouvia falar do rebite; hoje em dia a coisa mudou, o que a gente mais
vê é motorista usando maconha, cocaína e até crack”, revela o hoje comerciante
Pedro Vargas, que carrega na “bagagem” a experiência de 33 anos na boleia do caminhão.
“Geralmente o profissional vive
naquela loucura de carregar e descarregar e por isso vemos centenas de
acidentes nas estradas”, completa.
Caminhoneiros passam mais de 24
horas ao volante
Mato Grosso tem hoje
aproximadamente 8 mil caminhoneiros, segundo dados do sindicato da categoria.
Muitos desses profissionais atuam no setor do agronegócio, que segundo Ledevino
da Conceição é o responsável por uma grande parcela das jornadas de trabalho
consideradas desumanas. Ele explica que isto ocorre porque os profissionais que
atuam neste setor acabam tendo um fluxo maior de serviço durante o período de
safra: “As empresas têm pressa de escoar a produção e, por isso, as exigências
quanto a prazos são maiores”, alertou. “Liguei o veículo ontem por volta das 11
da manhã e estou parando agora ao meio-dia; são mais de 24 horas na
estrada”, relatou à reportagem o caminhoneiro Anderson Bonadio, 35 anos. Ele, que é natural do Paraná, revela que trabalha com o transporte de produtos perecíveis e, daí, a necessidade de prolongar a jornada.
estrada”, relatou à reportagem o caminhoneiro Anderson Bonadio, 35 anos. Ele, que é natural do Paraná, revela que trabalha com o transporte de produtos perecíveis e, daí, a necessidade de prolongar a jornada.
Fonte: Circuito MT
Nenhum comentário:
Postar um comentário