Meses
sem receber salário, recolhimento irregular do FGTS (Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço) pela empresa e situações constrangedoras de assédio moral são
faltas graves do empregador que fazem os empregados com frequência recorrerem à
Justiça doTrabalho para
buscarem o reconhecimento de rescisão indireta do contrato de trabalho.
Cada
vez mais utilizada pelos trabalhadores quando os empregadores descumprem o
contrato de trabalho, a rescisão indireta já foi chamada de "justa causa
patronal" pelo ministro Renato de Lacerda Paiva (foto), do Tribunal
Superior do Trabalho (TST). Para ser reconhecida em juízo, a rescisão
indireta deve se encaixar em algumas das situações listadas pelo artigo 483 da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Reconhecida
a rescisão indireta, o empregador tem que pagar ao ex-funcionário todas as
verbas rescisórias, da mesma forma como se o tivesse demitido imotivadamente,
inclusive a indenização de 40% sobre o FGTS. Isso porque a rescisão teve origem
em uma quebra de contrato por parte do empregador.
Apesar
da iniciativa formal para a rescisão também ser do empregado, a motivação é
diferente da do pedido de demissão, situação em que o trabalhador pede para
sair da empresa por interesses pessoais e por essa razão não tem direito a
nenhuma indenização nem liberação de FGTS.
O
TST examinou em 2012 inúmeros processos envolvendo rescisão indireta. Pelas
diversas Turmas e pela Seção Especializada em Dissídios Individuais passaram
casos em que os empregados, por não tolerarem mais o comportamento abusivo do
empregador, pediram demissão ou até abandonaram seus empregos, e depois ajuizaram ação pedindo
reconhecimento da rescisão indireta.
Cláusulas econômicas do contrato
Compromisso
essencial do empregador, a falta de pagamento de
salário foi causa de rescisão indireta de trabalhadores rurais que ficaram
meses sem receber salário, em um dos casos com ocorrência inclusive defraude envolvendo
sindicato que homologou pedido de demissão em vez de rescisão indireta. Em um
dos casos, o empregado tentou mas não conseguiu receber também indenização por
danos morais.
A
falta de pagamento de salários por três meses, só que desta vez tendo como foco
uma multa de cerca de R$ 2 milhões, envolveu um jogador de futebol profissional
conhecido como o meia Branquinho. Ele buscou na JT o reconhecimento da rescisão
indireta do contrato com o Rio Preto Esporte Clube e cobrou em juízo a multa
milionária referente à cláusula penal estipulada em contrato para o caso de
alguma das partes, atleta ou clube, descumprir o contrato.
A
rescisão indireta foi reconhecida, mas a multa aplicada não foi a que o atleta
pretendia. O TST entendeu que arescisão do contrato do jogador de futebol pela falta
de pagamento de três meses de salário, como no caso, acarreta ao
clube o pagamento da multa do artigo 479 da CLT, e não da cláusula penal prevista no
contrato de trabalho do atleta.
Outro
atleta que também conseguiu o reconhecimento da rescisão indireta, mas desta
vez pela falta de pagamento de parcelas relativas ao direito de
uso da imagem, foi o
ex-jogador do São Paulo Futebol Clube conhecido como Dill. A Sexta Turma
condenou o clube ao pagamento do valor respectivo, no total de R$ 469 mil
(referente a julho de 2004), concluindo que, mesmo não tendo natureza salarial,
as parcelas estipuladas no contrato de cessão de imagem eram parte acessória do
contrato de trabalho.
Outra
falta grave do empregador, de cunho econômico, que é motivo para a rescisão
indireta de contrato de trabalho, conforme alínea "d" do artigo 483
da CLT, é a ausência de recolhimento ou o recolhimento irregular de FGTS. Esse
entendimento foi aplicado pela Subseção 1 Especializada em Dissídios
Individuais (SDI-1), ao examinar o recurso de um professor do Paraná, e
pelas Oitava e Quinta Turmas, que analisaram processos originados com
reclamações, respectivamente, de um contador e
de uma professora paulistas.
Ao
tratar do assunto na SDI-1, o ministro Renato Paiva destacou que o recolhimento
do FGTS, por ter natureza alimentar, é "cláusula contratual imprescindível
à manutenção, à sobrevivência e à dignidade do trabalhador". E mais: ele
considera que o reconhecimento da rescisão indireta supõe a ocorrência de
"justa causa patronal".
Ainda
de caráter econômico foi a falta cometida pela empregadora de uma servente de
limpeza que ficou sem receber vale-transporte da empresa, apesar de descontado do
salário dela, que chegou a gastar cerca de 41% do salário com transporte. A
trabalhadora conseguiu não só o reconhecimento da rescisão indireta como também
uma indenização por danos morais de R$ 10 mil.
Constrangimento moral
Nos
casos de ofensas verbais a um trabalhador rural que protestou
por melhores condições de trabalho e foi demitido por justa causa; revistas íntimas visuais que geravam atitudes e
comentários constrangedores e
vendedor vítima de discriminação homofóbica, além de haver
reconhecimento da rescisão indireta, também houve obrigação do pagamento
de indenização por danos morais por parte dos empregadores.
A falta de segurança no trabalho, criando
trauma psicológico em um empregado que viu colegas serem vítimas de acidente
com botijões de gás e era obrigado a trabalhar sem condições, levou-o a pedir
demissão. Ele obteve a conversão do pedido de demissão em rescisão indireta,
com base na alínea "c" do artigo 483.
Rescisão indireta indeferida
Nem
todas as situações desagradáveis ao empregado podem ser motivo de rescisão
indireta. É o caso, por exemplo, de um empregado transferido de São Paulo para
Campinas após 12 anos de trabalho na capital paulista. Para o TST, não houve
rescisão indireta, pois o contrato de emprego previa a transferência de local de prestação de serviços.
Frustrada
também foi a tentativa de duas empregadas demitidas por justa causa por
abandono de emprego porque deixaram de comparecer ao serviço após terem
descoberto que, no banheiro que utilizavam, havia um buraco pelo qual os
colegas homens as espionavam. Segundo contaram em juízo, depois de reclamarem a
seus superiores e nada ter sido feito, elas registraram boletim de ocorrência e
não mais retornaram ao trabalho.
Após
a demissão, elas ajuizaram a reclamação para converter a demissão pelo abandono de emprego em
rescisão indireta, mas perderam a causa. Pela provas produzidas nos
autos, suas alegações não convenceram, pois o buraco era tão pequeno que apenas
vultos podiam ser vistos através dele. Na sentença, o juiz reconheceu a
rescisão por justa causa. A decisão foi mantida em todas as instâncias da
Justiça do Trabalho.
Outro
demitido por abandono de emprego e que não conseguiu reverter a justa causa em
rescisão indireta foi umanestesista que alegou assédio moral do hospital em que trabalhava. Ele foi transferido
do setor de cirurgias cardíacas para o de cirurgias geral e plástica, o que lhe
causou redução salarial. Segundo o médico, a mudança ocorreu por
perseguição por parte da chefia, que teria passado a tratá-lo com extremo rigor
após a publicação de uma entrevista na qual criticou o mercado de trabalho para
os anestesistas.
Ele
emitiu um comunicado à empresa e parou de trabalhar, ajuizando ação com o
pedido de reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho e indenização
por danos morais. O juízo de primeira instância indeferiu as duas pretensões e
entendeu que o comunicado do médico tinha valor de pedido de demissão. A
decisão foi mantida até a Oitava Turma do TST.
Por
fim, em situações que lembram investigações de detetives, a Justiça do Trabalho
desvendou conluios entre as partes, cujo pedido ou falta de pedido de rescisão
indireta foi o que desencadeou a descoberta da fraude. Em uma delas houve fraude de fazendeiro com uma trabalhadora rural que lhe prestava serviços gerais e
ajuizou ação pedindo a rescisão indireta. O empregador, sem advogado na
audiência, nem sequer questionou o valor de R$ 154 mil pretendido pela
empregada, o que motivou a desconfiança do juiz. O pedido foi negado.
Mais
um caso de fraude que chegou até à SDI-1 foi de um chefe da Associação
Hospitalar e Maternidade de São Paulo. Ele ajuizou várias reclamações e disse
fazer parte da diretoria, recebendo mais de R$ 7 mil de salário. Quem comparecia
às audiências eram outros diretores da associação, que não questionavam os
valores e faziam acordos fraudulentos, se revezando com ele em outras ações.
Como ele alegava que estava há anos sem receber salários, chamou a atenção a ausência do pedido de rescisão indireta.
Com os acordos fraudulentos ele receberia mais de 1,2 milhão.
Artigo 483 da CLT
A
rescisão indireta tem como base esse artigo da CLT. Ele prevê que o empregado
pode considerar rescindido o contrato e pleitear indenização quando forem
exigidos serviços superiores às suas forças, proibidos por lei, contrários aos
bons costumes, ou alheios ao contrato; for tratado pelo empregador ou
superiores hierárquicos com rigor excessivo; e correr perigo evidente de mal
considerável.
Além
disso, o mesmo ocorre se o empregador não cumprir as obrigações do contrato;
reduzir o seu trabalho, realizado por peça ou tarefa, reduzindo salário; ou ele
ou seus prepostos praticarem ato lesivo da honra e boa fama contra o empregado
ou pessoas de sua família ou ofenderem-no fisicamente, exceto em legítima
defesa ou de outra pessoa.
(Lourdes
Tavares/MB)
SBDI-1
A
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, composta por quatorze
ministros, é o órgão revisor das decisões das Turmas e unificador da
jurisprudência do TST. O quorum mínimo é de oito ministros para o julgamento de
agravos, agravos regimentais e recursos de embargos contra decisões divergentes
das Turmas ou destas que divirjam de entendimento da Seção de Dissídios
Individuais, de Orientação Jurisprudencial ou de Súmula.
Turmas
O
TST possui oito Turmas julgadoras, cada uma composta por três ministros, com a
atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de instrumento,
agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das decisões das
Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I
Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1).
Fonte: TST
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