Direito
dos trabalhadores rurais, domésticos e urbanos, a Carteira de Trabalho e
Previdência Social (CTPS) é o documento que registra a vida profissional dos
brasileiros. Nela, ficam registradas informações que garantem direitos como
seguro-desemprego, aposentadoria e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS). Mas afinal, quem tem direito à carteira assinada? Como os trabalhadores
devem proceder para terem garantido os direitos pela Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT)? Exigir que o trabalhador
constitua pessoa jurídica para a prestação dos serviços é legal?
Ao
longo de 2012, os ministros do Tribunal Superior do Trabalho analisaram
diversos casos envolvendo o documento. Algumas ações pleiteavam indenização por
danos morais em decorrência da ausência de anotação na carteira, outras eram de
trabalhadores contratados como autônomos ou como pessoa jurídica e que pediam o
reconhecimento do vínculo alegando o mascaramento da relação pela empresa.
Em
julgamento realizado em novembro, por exemplo, a
Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendeu que o
descumprimento, pelo empregador, da obrigação legal quanto ao registro do
contrato de trabalho na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) gera o direito à reparação ao empregado por dano
moral. Isso porque a
falta de anotação na Carteira de Trabalho causa inúmeros prejuízos ao
trabalhador, que não é contemplado com os auxílios acidentários, licença
maternidade ou paternidade, FGTS, proteção da convenção coletiva - que inclui
reajustes salariais-, inclusão no Programa de Integração Social (PIS), contagem para tempo de
aposentadoria, não recebimento de horas extras ou férias remuneradas entre
outros.
De
acordo com a CLT, ao contratar, a empresa tem até 48 horas para assinar e
devolver a carteira de trabalho com as anotações referentes à data de admissão,
remuneração, condições especiais e dados relativos à duração do trabalho. O
empregador que retém o documento além desse prazo comete ato ilícito e,
portanto, tem o dever de indenizar.
E
foi com esse fundamento que a Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho deu
provimento a recurso da viúva de um trabalhador desaparecido, que pleiteava
receber indenização por danos morais em razão da retenção imotivada da CTPS pela empregadora. O empregado
trabalhava como vigia de embarcações e desapareceu durante viagem a trabalho. A
viúva, então, requereu ao INSS pensão por morte presumida, mas para fazer jus
ao benefício precisava apresentar diversos documentos, entre eles, a CTPS. Ela
chegou a solicitar a carteira à empresa, mas após oito meses de tentativas
frustradas ajuizou ação trabalhista, pleiteando receber indenização por danos
morais e materiais pela retenção do documento do trabalhador falecido.
Anotações
Ao
longo do contrato de trabalho, outras anotações deverão ser feitas na CTPS pelo
empregador, como início de férias, aumento no salário, afastamentos, data de
desligamento, dentre outras. Entretanto, as anotações devem se limitar ao
especificado pelo documento. Conforme previsto no artigo 29, parágrafo 4º da
CLT, é vedado ao o empregador efetuar anotações desabonadoras à
conduta do empregado em
sua carteira de trabalho. Assim, o registro de advertências, penalidades e
faltas, bem como o motivo da demissão ou anotações que possam atrapalhar o
trabalhador a conquistar um novo emprego, devem ser evitadas.
"As
anotações devem ser relativas ao contrato de trabalho, alterações salariais,
alteração de função ou sobre férias. Se o empregador anota a existência de uma
reclamação trabalhista ele está agindo irregularmente porque este tipo de anotação
não pode ser feita," destacou o ministro Pedro Paulo Manus em entrevista
concedida à TV TST durante uma reportagem especial sobre o tema.
Foi
o que aconteceu à Santa Casa de Misericórdia da Bahia, que foi condenada a
pagar R$ 3 mil reais de indenização por danos morais a um ex-trabalhador por
ter registrado na carteira de trabalho dele as ausências ao trabalho em
consequência de licenças médicas. Com as anotações o trabalhador alegou
na Justiça do Trabalho que sentiu dificuldades de arrumar um novo emprego.
O
extravio ou inutilização da Carteira de Trabalho por culpa da empresa também
está sujeita à sanções. Além de multa prevista legalmente, a empresa pode
responder judicialmente por pelos danos causados ao trabalhador. A
empresa Teleperformance CRM S.A., do Paraná, por exemplo, foi condenada a pagar
R$ 7 mil por assédio moral, após ter perdido a carteira de trabalho de uma empregada e tê-la afastado do serviço, sem pagar
a remuneração. A empresa alegou que a funcionária não poderia trabalhar sem que
sua CTPS estivesse regularizada, e por isso deveria aguardar até a emissão da
segunda via da carteira.
Vínculo mascarado
O
número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado cresceu 11,8% em
dois anos, segundo dados da pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2011
(Pnad), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
em setembro de 2012. Ainda assim, há muitos trabalhadores que têm direito
ao registro e não são contemplados.
Demandas
de trabalhadores que alegam que as empresas camuflaram o vínculo empregatício
são comuns no TST. Um exemplo muito utilizado pelos empregadores é a chamada
"pejotização", que ocorre quando as empresas exigem que os
trabalhadores constituam pessoas jurídicas para a prestação dos serviços.
Para
reconhecer o vínculo e comprovar o mascaramento, juízes, desembargadores e
ministros analisam provas que buscam evidenciar a existência de fatores
fundamentais para a caracterização da relação de emprego como a pessoalidade,
onerosidade, não-eventualidade e subordinação. Testemunhas e comprovantes de
pagamentos, como depósitos bancários, ajudam a comprovar a relação
empregatícia.
Foi
assim que a Justiça do Trabalho reconheceu o vínculo de emprego entre um jornalista contratado por meio de pessoa jurídica para prestar serviços à Televisão
Guaíba Ltda. No caso analisado, o contrato previa produção e apresentação
de um programa de TV, durante o qual, por mais de dez anos, o jornalista teve
remuneração média de R$ 17 mil mensais, aferida por prova documental - cópias de
Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte e cheques. Os outros requisitos
para caracterização do vínculo também foram verificados, mas a maior
dificuldade, segundo o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), que
analisou o caso, estava na questão da existência ou não da subordinação. Porém,
após a constatação, por meio de depoimentos orais, que havia interferência da
emissora no programa, com vetos a convidados e proibição de abordagem de
determinados assuntos, a subordinação ficou definida.
Um
economista também conseguiu descaracterizar sua contratação como pessoa jurídica e
provar vínculo com a
empresa na qual trabalhava. Contratado como pessoa jurídica para a função de
coordenador do Centro de Documentação do projeto de transposição do rio São
Francisco, ele provou que prestou serviços como empregado, e não como empresa,
para a Concremat Engenharia e Tecnologia S/A. Para comprovar, ele explicou que
lhe era exigida jornada diária integral, de 8h30 às 18h30, com duas horas de
almoço, cujo descumprimento acarretava advertências. Afirmou que o serviço
prestado se inseria nas atividades-fim da Concremat e que recebia ordens do
gerente geral. Contou que, pela PJ que abriu e na qual não tinha empregados,
jamais prestou serviços para outra empresa que não fosse a Concremat, no
período do contrato.
Diante
das provas, o TRT concluiu que se delineava prestação de serviços compatível
com o vínculo de emprego, conforme as exigências dos artigos 2º e 3º da CLT. Subordinação, principal requisito da
relação de emprego, estava presente porque o autor devia se reportar ao
coordenador geral do projeto; pessoalidade, porque o economista não podia se
fazer substituir em suas atividades, tendo sido sua qualificação profissional
destacada para fins de contratação; prestação de serviços com exclusividade
para a Concremat, inclusive devido à jornada, que inviabilizava o atendimento
de outra empresa; e ausência de eventualidade, evidenciada pela carga horária.
Outro
caso que também demostrou a tentativa de mascarar o vínculo foi o de uma
estagiária e duas empresas do ramo farmacêutico. A autora da ação trabalhista
afirmou que foi contratada "na condição disfarçada" de estagiária e prestou serviços como vendedora de
produtos energéticos sujeita às normas empresariais com total subordinação e
dependência jurídica. O vínculo empregatício foi garantido e as empresas
condenadas a pagar as verbas rescisórias à empregada.
Quem tem direito
A
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é obrigatória para o exercício
de qualquer emprego, inclusive de natureza rural, ainda que em caráter
temporário, e para o exercício por conta própria de atividade profissional
remunerada. Conforme expresso no artigo 3º da CLT, considera-se empregado toda
pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a
dependência deste e mediante salário. Isso significa que, para ter vínculo
empregatício e consequentemente, direito à carteira assinada, o trabalhador
deve trabalhar com pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação.
A
pessoalidade é caracterizada quando o trabalhador exerce a atividade
pessoalmente, como pessoa física, sem que seja substituído por outro no
exercício de suas atividades. Já a não-eventualidade, também chamada de
continuidade ou habitualidade, é quando a prestação de serviços é contínua, de
forma permanente, frequente ou sucessiva. A subordinação fica comprovada quando
o empregado está submetido ao poder de comando, devendo cumprir ordens de seu
superior. O pagamento pelo serviço prestado caracteriza a onerosidade.
Autônomos,
militares, pessoas jurídicas e estagiários não fazem jus à carteira assinada. A
contratação de autônomos e pessoas jurídicas é permitida, desde que a empresa
não utilize este procedimento para substituir o trabalhador com carteira
assinada. Assim, a contratação desses profissionais não pode conter os
requisitos citados acima. Servidores públicos também não tem carteira assinada
porque são regidos pela Lei 8112/90.
Como denunciar
A
falta de registro na Carteira de Trabalho pode ser denunciada no Ministério do
Trabalho, em Delegacias do Trabalho ou podem ser constatadas por fiscais do
trabalho que visitarem o estabelecimento. Outra opção é ingressar com
reclamação na Justiça do Trabalho para reivindicar que sejam pagas as verbas
trabalhistas não realizadas pela ausência da assinatura, como férias, décimo
terceiro salário e horas extras.
Fonte: TST
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