quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O antidoping dos caminhoneiros


O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) deu um passo importante para a redução de acidentes envolvendo caminhões, ônibus e utilitários de carga, ao determinar a obrigatoriedade de exames toxicológicos em motoristas profissionais, quando da renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou ingresso nas categorias C, D e E. Mesmo realizados com intervalos de cinco anos (prazo em que a CNH deve ser renovada), os exames criarão uma dificuldade muito objetiva para os usuários contumazes de substâncias psicoativas como anfetaminas, cocaína ou crack — cujo consumo se alastra de forma assustadora, principalmente entre os caminhoneiros.

O enfrentamento do problema, no entanto, exige medidas mais amplas e coordenadas das autoridades em várias frentes, no sentido de atacar os fatores que levam uma parte dos motoristas a apelar para as drogas. Como já ficou constatado em diversas pesquisas, os chamados “rebites” (anfetaminas), a cocaína e até o crack não têm qualquer conotação recreativa, neste grupo específico de usuários. Eles são usados para manter a mente alerta durante jornadas prolongadas ao volante, que podem se estender por dois dias ou mais. E os mais suscetíveis são os motoristas autônomos, cujas condições de trabalho são mais difíceis de fiscalizar.
A incidência do uso de álcool e drogas ilícitas entre os caminhoneiros é alarmante. Em 2010, exames realizados pela Polícia Rodoviária do Espírito Santo em motoristas voluntários mostrou que um em cada três fazia uso de bebidas alcoólicas, maconha, anfetaminas, metanfetaminas, cocaína, crack ou merla para dirigir. Outro levantamento, feito nas rodovias do Mato Grosso pelo Ministério Público do Trabalho daquele Estado, apontou que 30% dos motoristas consomem regularmente alguma substância ilícita. Além das anfetaminas, as drogas mais citadas foram a cocaína e o crack.
A ganância das empresas que contratam os serviços de transporte — ou, no mínimo, a falta de interesse pela saúde e integridade do trabalhador — soma-se, neste caso, à pressão econômica sofrida pelos motoristas, que aceitam missões suicidas e sacrificam o indispensável descanso em busca de um rendimento maior. O desgaste físico e mental provocado pelo excesso de viagens em curto espaço de tempo vem se somar, dessa maneira, a fatores igualmente graves, como a idade e manutenção inadequada dos veículos e as más condições das rodovias, para produzir um número exageradamente alto de acidentes –algo em torno de 10 mil por ano, nas rodovias do país.
A resolução do Contran não terá efeito imediato. Embora comece a vigorar no dia 1º de janeiro, ela estipula um prazo de 180 dias para que o exame toxicológico comece a ser exigido. Assim, se não houver nenhum adiamento ou entrave jurídico, a partir de 1º de julho os motoristas que precisarem ingressar nas categorias C, D e E ou renovar a CNH terão de se submeter a “exame toxicológico de larga janela de detecção” em clínicas homologadas pelo Denatran e credenciadas pelo órgão executivo de trânsito no Estado. O exame é capaz de detectar o consumo de drogas até 90 dias antes da coleta das amostras biológicas, que podem ser de cabelos, pelos ou unhas.
A medida teria mais impacto se o intervalo entre um exame e outro fosse menor. Pelo Código de Trânsito, a CNH deve ser renovada a cada cinco anos (ou três, para motoristas com mais de 65 anos de idade). Embora positivo, o efeito da exigência deverá ser limitado — e, mais ainda, se não houver uma fiscalização rigorosa sobre as empresas e os caminhoneiros, com punições rigorosas para quem submete os motoristas a jornadas desumanas e a retirada de circulação daqueles que, ao dirigir sob o efeito de substâncias nocivas, tornam-se um perigo para si mesmos e para todos em seu caminho.

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