A nota
oficial do Governo do Estado reconhecendo problemas com “humildade” e
considerando “bem-vinda a iniciativa dessa fração da sociedade fortalezense”
deu um upgrade nas já calorosíssimas discussões, entre entusiastas e críticos
nas redes sociais, sobre o ‘Fortaleza Apavorada’, de onde transcrevo reflexão
de um simpatizante que, a meu ver, exprime a alma do movimento. É uma sincera
resposta, provocante e articulada, a uma pergunta comum. Leia:
“Se um
ladrão roubasse a casa da vizinha, você iria à delegacia informar o crime?
Provavelmente, não. E se alguém estacionasse o carro na vaga da sua vizinha,
você iria reclamar no apartamento da síndica no lugar dela? Duvido muito. Do
mesmo modo, a primeira pessoa de quem se espera uma reclamação contra a
educação defasada que o Estado oferece é o aluno da escola pública. Por que o
aluno do 7 de Setembro, Ari de Sá ou Farias Brito iria às ruas lutar por
melhorias na educação, se ele já desfruta de um excelente ensino. Então, veja
como é simples: quem não tem terra é a favor da reforma agrária? Sim.
Latifundiários também serão? Evidente que não.
Logo, a
sua interessante indagação (“Por que não existe uma manifestação dessa
magnitude por melhorias na educação?”) deveria ser feita aos moradores do
Parque São Miguel, Cristo Redentor, Conjunto Palmeiras, Santa Filomena, Parque
Santa Rosa, Bom Jardim etc. São eles os UTENTES da educação pública, não nós.
Podemos até ir às ruas, em solidariedade a essas pessoas, mas estaríamos
lutando por uma causa que PREPONDERANTEMENTE é mais deles do que nossa. Agora,
quando roubam, matam ou sequestram alguém da nossa família, vamos às ruas pedir
segurança sim. Não temos o dever de saber se o Pirambu está passando por
problemas de insegurança, afinal, não moro lá e não frequento esse bairro.
Apenas um morador de lá teria legitimidade para reivindicar algo dessa natureza,
o que faz nascer a figura do líder comunitário.
A classe
média não tem o dever moral de ir às ruas lutar para corrigir a injustiça do
mundo. Violência sempre existiu em áreas de risco e a classe média sempre soube
disso, apenas não se engajou em movimentos ativistas para solucionar os
problemas do mundo. A partir do momento em que essa mesma violência é
hipertrofiada o suficiente para repelir turistas, ao ponto de migrar das
favelas para os nossos lares, o problema passa a ser nosso também. Em suma:
enquanto a violência estiver confinada em morros e favelas, a preocupação é dos
nossos governantes, da polícia e dos moradores dessas regiões. O nosso é apenas
votar corretamente, para que os governantes ajudem essas pessoas. A partir do
momento em que chega na nossa casa, passa a ser NOSSO, da polícia e dos
governantes. Lembra do exemplo da vizinha?”
Fim da
citação, do silêncio e da hipocrisia da cordialidade na cidade desigual. O
movimento, legítimo, já tem um mérito ímpar: pôr a nu a que fração você
pertence ou quer pertencer. E, sobretudo, a que jamais pertencerá. Bem-vindos à
cidade real.
Fonte:
O Povo
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