sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Motorista bloqueado

Atrasar ou deixar de pagar uma conta é uma situação bastante comum para boa parte dos brasileiros. Principalmente para aqueles que não têm renda fixa e trabalham por conta própria, ficando à mercê das oscilações do mercado. Porém, quando se trata de motorista de caminhão autônomo, a coisa muda de figura, já que para este tipo de profissional estar com o nome sujo pode resultar em bloqueio junto às gerenciadoras de risco e a consequente restrição para carregar. As empresas acabam oferecendo fretes a valores muito baixos ou – dependendo do caso – simplesmente não disponibilizam carga. Resultado: o carreteiro se vê em um ciclo fechado, no qual fica sem trabalho e impossibilitado de quitar suas dívidas.

É o que acontece com Cesar da Costa Branco, de São Paulo/SP, que comprou um cavalo-mecânico, ano 2006, e não conseguiu pagar. Vendeu o veículo para o seu advogado, que também deixou de honrar com algumas prestações. Hoje, Cesar está com o nome bloqueado nas seguradoras, não consegue trabalho e negocia com a financeira para quitar a dívida, pois o caminhão ainda se encontra no nome dele.

“Não tenho muito o que fazer, pois enquanto a financeira não se pronunciar e tentar fazer o acordo vou continuar desempregado e passando necessidade”, declara. Cesar faz questão de ressaltar que o problema enfrentado por ele nada tem a ver com o seu profissionalismo. Garante que nunca tombou uma carga e nem se envolveu em assaltos, pelo contrário, afirma ter se livrado de várias tentativas.

Em sua opinião, o principal fator que contribui para o motorista ficar com dividas é o baixo valor do frete pago pelas empresas. Ele cita como exemplo uma viagem de volta de Recife/PE a São Paulo/SP – trecho de 2.800 quilômetros – pela qual pagam de R$ 3.000,00 a R$ 3.500,00, enquanto na ida o valor é de R$ 6.000,00 para percorrer a mesma distância. “Somando manutenção, diesel, despesas pessoais, pedágio e o fato de as vezes demorarem para pagar, ficamos sem saída para honrar os compromissos”, explica.

Situação parecida vive o carreteiro Jorge Luis Copetti, de Paranavaí/PR, 47 anos de idade e 10 de profissão, que ainda hoje sente os reflexos de um problema de 16 anos atrás. Ele lembra que em 1996 apareceu em sua conta corrente uma série de transações bancárias que desconhecia e acabou sendo acusado por um crime que, segundo ele, não havia cometido. Na época do ocorrido, Copetti enfrentou várias dificuldades financeiras por não conseguir carregar. Atualmente mantêm cadastro junto a algumas seguradoras, porém se revolta quando lembra que ainda enfrenta restrição em uma delas por ser considerado “profissional de alto risco”.

“Entendo o lado das empresas, mas também acredito que elas deveriam analisar o perfil do profissional. Nunca tive uma carga ou caminhão roubados e já transportei diversos produtos de alto valor”, comenta. Para ele, os critérios são absurdos ao ponto de um colega dele ter sido assaltado na frente da empresa – para qual prestava serviço-, recebeu um tiro, ficou na UTI e mesmo assim teve o cadastro bloqueado. “É uma sensação horrível ser tratado como bandido. Para se manter competitivo no mercado o carreteiro não pode cometer deslize algum”, conclui.

O autônomo Mário Stominsky, 54 anos de idade e nove profissão, de Campo Alegre/SC, faz a rota São Paulo/Rio Grande do Sul. Do Sul para São Paulo transporta tubo de aço e madeira, na volta leva cargas diversas. Tem o cadastro na Pamcary, Buonny, GV e Duty e afirma que estar com o nome limpo é realmente uma das principais exigências das transportadoras na hora de contratar o frete. “Caso contrário, as seguradoras das cargas barram”, afirma.

Stominsky diz achar o procedimento justo, porém, destaca que está cada vez mais difícil manter as contas em dia, porque os valores dos fretes estão baixos e as contas de diesel e pedágio cada vez mais altas. “Tive um caminhão roubado no começo deste ano e fiquei com dificuldade para carregar, porque as gerenciadoras sempre desconfiam que temos alguma relação com o roubo”, lamenta. Lembra que de Santa Catarina para São Paulo conseguia carga, porque sempre carregou na mesma empresa, porém, encontrava dificuldades para a viagem de volta.

Mário afirma que depois de ter conseguido comprar outro caminhão se esforça ainda mais para manter as contas em dia e não passar pelo problema outra vez e dá um conselho aos mais novos na profissão, para se manterem competitivos e estarem sempre com o nome limpo e fazer o cadastro nas principais seguradoras. Além disso, é muito importante manter o caminhão bem conservado e brigar pelo valor do frete. Na ocasião que falou com a reportagem da Revista O Carreteiro, Mário viajava ao lado da esposa para comemorar 26 anos de casamento.

O mineiro Rubélio Vieira Mendes, de São Pedro dos Ferros, está há 18 anos na profissão como autônomo e viaja por todas as regiões do Brasil. Ele mantém cadastro em pelo menos três seguradoras, Buonny, Apisul e Pamcary e afirma ter passado por situação de estar com três cheques devolvidos, mas nunca se sentiu prejudicado e sempre carregou normalmente, pois, segundo conversas entre os colegas de estrada o problema fica sério quando são mais de dez cheques devolvidos. Bem humorado, Rubélio diz que sempre procura pagar suas contas a vista, justamente para não ter problemas futuros, mas confessa que quando o assunto é a troca de pneus apela para o parcelamento.

Tem opinião de que muitos carreteiros de boa índole acabam pagando pela picaretagem de outros. Diz ter muitos colegas passando por esta situação, porque estão bloqueados e não conseguem cargas. “E quando alguma empresa oferece é sempre o frete que ninguém quer, por causa do valor. E assim os profissionais vão se enrolando cada vez mais. Penso que a situação é um pouco injusta, pode acontecer com qualquer pessoa”, lamenta. Rubélio conta que apesar de nunca ter sofrido restrição para carregar, por conta de dívidas, já se viu em situação parecida por estar com a carroceria em péssimo estado de conservação. “No meu caso foi mais fácil, juntei o dinheiro e fiz uma reforma geral. Agora está tudo tranquilo”, conclui.

João Batista Meneghel, de Porto Grosso/PR, está na profissão desde 1963, e acredita que em alguns casos as seguradoras “pegam pesado” com os motoristas. Ele lembra o caso de um colega cujo caminhão foi roubado e o cadastro bloqueado, pois precisa provar que não tem qualquer envolvimento com o crime. “Hoje em dia, o carreteiro tem de ser um cidadão exemplar e não cometer deslize algum que possa comprometer a sua integridade. Além disso, mesmo sobrando pouco dinheiro à cada viagem, é preciso manter o caminhão sempre em ordem”, sugere o veterano. Ele acrescenta que está cada dia mais difícil se manter na profissão com o nome limpo, e comenta que antes era bem mais fácil, mas atualmente o valor do frete está cada dia mais baixo e as despesas aumentando.

Outro motorista que se encontra com a situação financeira delicada é Evandro Alves da Costa, 25 anos de idade, de Trindade/GO. Na ocasião que falou com a reportagem de O Carreteiro, afirmou ter cinco cheques devolvidos e se encontrava em débito com o pagamento do cartão de crédito. Contou que tudo começou quando uma empresa para a qual prestava serviço simplesmente fechou as portas e não pagou o frete. “Foi complicado, pois era uma carga fixa e de uma hora para outra fiquei sem nada. Como nunca tive qualquer problema, e já tenho o cadastro, nenhuma seguradora me bloqueou e consigo carregar. Mas, com certeza, se hoje tivesse de fazer um cadastro acho que não conseguiria e ficaria sem trabalho. E aí, como poderia pagar as minhas contas?”, questiona. Evandro ressalta que o motorista de caminhão tem os mesmos problemas de outros profissionais. Às vezes, realmente uma conta fica para trás, mas isso não pode ser sinônimo de que a pessoa não está apta para assumir responsabilidades.

O catarinense Marcio Fernandes, 30 anos de idade e 18 de profissão, acredita que os critérios estabelecidos pelas seguradoras valorizam os profissionais que “andam sempre na linha”. Afirma que apesar de ver muitos colegas reclamando do trabalho é possível viver do transporte, porém, é necessário seguir algumas regras para se manter competitivo e conseguir as melhores cargas. Fernandes diz que a receita para se destacar na profissão é simples, basta estar em dia com as contas, manter o nome limpo, ter um caminhão bem conservado (de preferência novo) e estar atualizado. “Caso contrário, o carreteiro será um forte candidato a ficar com os fretes considerados restos dos restos, e aí a coisa se complica”, finaliza. 

Fonte: Revista O Carreteiro

 

 

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