Atrasar ou deixar de
pagar uma conta é uma situação bastante comum para boa parte dos brasileiros.
Principalmente para aqueles que não têm renda fixa e trabalham por conta
própria, ficando à mercê das oscilações do mercado. Porém, quando se trata de
motorista de caminhão autônomo, a coisa muda de figura, já que para este tipo
de profissional estar com o nome sujo pode resultar em bloqueio junto às
gerenciadoras de risco e a consequente restrição para carregar. As empresas
acabam oferecendo fretes a valores muito baixos ou – dependendo do caso –
simplesmente não disponibilizam carga. Resultado: o carreteiro se vê em um
ciclo fechado, no qual fica sem trabalho e impossibilitado de quitar suas
dívidas.
É
o que acontece com Cesar da Costa Branco, de São Paulo/SP, que comprou um
cavalo-mecânico, ano 2006, e não conseguiu pagar. Vendeu o veículo para o seu
advogado, que também deixou de honrar com algumas prestações. Hoje, Cesar está
com o nome bloqueado nas seguradoras, não consegue trabalho e negocia com a
financeira para quitar a dívida, pois o caminhão ainda se encontra no nome
dele.
“Não
tenho muito o que fazer, pois enquanto a financeira não se pronunciar e tentar
fazer o acordo vou continuar desempregado e passando necessidade”, declara.
Cesar faz questão de ressaltar que o problema enfrentado por ele nada tem a ver
com o seu profissionalismo. Garante que nunca tombou uma carga e nem se
envolveu em assaltos, pelo contrário, afirma ter se livrado de várias
tentativas.
Em
sua opinião, o principal fator que contribui para o motorista ficar com dividas
é o baixo valor do frete pago pelas empresas. Ele cita como exemplo uma viagem
de volta de Recife/PE a São Paulo/SP – trecho de 2.800 quilômetros – pela qual
pagam de R$ 3.000,00 a R$ 3.500,00, enquanto na ida o valor é de R$ 6.000,00
para percorrer a mesma distância. “Somando manutenção, diesel, despesas
pessoais, pedágio e o fato de as vezes demorarem para pagar, ficamos sem saída
para honrar os compromissos”, explica.
Situação
parecida vive o carreteiro Jorge Luis Copetti, de Paranavaí/PR, 47 anos de
idade e 10 de profissão, que ainda hoje sente os reflexos de um problema de 16
anos atrás. Ele lembra que em 1996 apareceu em sua conta corrente uma série de
transações bancárias que desconhecia e acabou sendo acusado por um crime que,
segundo ele, não havia cometido. Na época do ocorrido, Copetti enfrentou várias
dificuldades financeiras por não conseguir carregar. Atualmente mantêm cadastro
junto a algumas seguradoras, porém se revolta quando lembra que ainda enfrenta
restrição em uma delas por ser considerado “profissional de alto risco”.
“Entendo
o lado das empresas, mas também acredito que elas deveriam analisar o perfil do
profissional. Nunca tive uma carga ou caminhão roubados e já transportei
diversos produtos de alto valor”, comenta. Para ele, os critérios são absurdos
ao ponto de um colega dele ter sido assaltado na frente da empresa – para qual
prestava serviço-, recebeu um tiro, ficou na UTI e mesmo assim teve o cadastro
bloqueado. “É uma sensação horrível ser tratado como bandido. Para se manter
competitivo no mercado o carreteiro não pode cometer deslize algum”, conclui.
O
autônomo Mário Stominsky, 54 anos de idade e nove profissão, de Campo
Alegre/SC, faz a rota São Paulo/Rio Grande do Sul. Do Sul para São Paulo
transporta tubo de aço e madeira, na volta leva cargas diversas. Tem o cadastro
na Pamcary, Buonny, GV e Duty e afirma que estar com o nome limpo é realmente
uma das principais exigências das transportadoras na hora de contratar o frete.
“Caso contrário, as seguradoras das cargas barram”, afirma.
Stominsky
diz achar o procedimento justo, porém, destaca que está cada vez mais difícil
manter as contas em dia, porque os valores dos fretes estão baixos e as contas
de diesel e pedágio cada vez mais altas. “Tive um caminhão roubado no começo
deste ano e fiquei com dificuldade para carregar, porque as gerenciadoras sempre
desconfiam que temos alguma relação com o roubo”, lamenta. Lembra que de Santa
Catarina para São Paulo conseguia carga, porque sempre carregou na mesma
empresa, porém, encontrava dificuldades para a viagem de volta.
Mário
afirma que depois de ter conseguido comprar outro caminhão se esforça ainda
mais para manter as contas em dia e não passar pelo problema outra vez e dá um
conselho aos mais novos na profissão, para se manterem competitivos e estarem
sempre com o nome limpo e fazer o cadastro nas principais seguradoras. Além
disso, é muito importante manter o caminhão bem conservado e brigar pelo valor
do frete. Na ocasião que falou com a reportagem da Revista O Carreteiro, Mário
viajava ao lado da esposa para comemorar 26 anos de casamento.
O
mineiro Rubélio Vieira Mendes, de São Pedro dos Ferros, está há 18 anos na
profissão como autônomo e viaja por todas as regiões do Brasil. Ele mantém
cadastro em pelo menos três seguradoras, Buonny, Apisul e Pamcary e afirma ter
passado por situação de estar com três cheques devolvidos, mas nunca se sentiu
prejudicado e sempre carregou normalmente, pois, segundo conversas entre os
colegas de estrada o problema fica sério quando são mais de dez cheques
devolvidos. Bem humorado, Rubélio diz que sempre procura pagar suas contas a
vista, justamente para não ter problemas futuros, mas confessa que quando o
assunto é a troca de pneus apela para o parcelamento.
Tem
opinião de que muitos carreteiros de boa índole acabam pagando pela picaretagem
de outros. Diz ter muitos colegas passando por esta situação, porque estão
bloqueados e não conseguem cargas. “E quando alguma empresa oferece é sempre o
frete que ninguém quer, por causa do valor. E assim os profissionais vão se
enrolando cada vez mais. Penso que a situação é um pouco injusta, pode
acontecer com qualquer pessoa”, lamenta. Rubélio conta que apesar de nunca ter
sofrido restrição para carregar, por conta de dívidas, já se viu em situação
parecida por estar com a carroceria em péssimo estado de conservação. “No meu
caso foi mais fácil, juntei o dinheiro e fiz uma reforma geral. Agora está tudo
tranquilo”, conclui.
João
Batista Meneghel, de Porto Grosso/PR, está na profissão desde 1963, e acredita
que em alguns casos as seguradoras “pegam pesado” com os motoristas. Ele lembra
o caso de um colega cujo caminhão foi roubado e o cadastro bloqueado, pois
precisa provar que não tem qualquer envolvimento com o crime. “Hoje em dia, o
carreteiro tem de ser um cidadão exemplar e não cometer deslize algum que possa
comprometer a sua integridade. Além disso, mesmo sobrando pouco dinheiro à cada
viagem, é preciso manter o caminhão sempre em ordem”, sugere o veterano. Ele
acrescenta que está cada dia mais difícil se manter na profissão com o nome
limpo, e comenta que antes era bem mais fácil, mas atualmente o valor do frete
está cada dia mais baixo e as despesas aumentando.
Outro
motorista que se encontra com a situação financeira delicada é Evandro Alves da
Costa, 25 anos de idade, de Trindade/GO. Na ocasião que falou com a reportagem
de O Carreteiro, afirmou ter cinco cheques devolvidos e se encontrava em débito
com o pagamento do cartão de crédito. Contou que tudo começou quando uma
empresa para a qual prestava serviço simplesmente fechou as portas e não pagou
o frete. “Foi complicado, pois era uma carga fixa e de uma hora para outra
fiquei sem nada. Como nunca tive qualquer problema, e já tenho o cadastro,
nenhuma seguradora me bloqueou e consigo carregar. Mas, com certeza, se hoje
tivesse de fazer um cadastro acho que não conseguiria e ficaria sem trabalho. E
aí, como poderia pagar as minhas contas?”, questiona. Evandro ressalta que o
motorista de caminhão tem os mesmos problemas de outros profissionais. Às
vezes, realmente uma conta fica para trás, mas isso não pode ser sinônimo de
que a pessoa não está apta para assumir responsabilidades.
O
catarinense Marcio Fernandes, 30 anos de idade e 18 de profissão, acredita que
os critérios estabelecidos pelas seguradoras valorizam os profissionais que
“andam sempre na linha”. Afirma que apesar de ver muitos colegas reclamando do
trabalho é possível viver do transporte, porém, é necessário seguir algumas
regras para se manter competitivo e conseguir as melhores cargas. Fernandes diz
que a receita para se destacar na profissão é simples, basta estar em dia com
as contas, manter o nome limpo, ter um caminhão bem conservado (de preferência
novo) e estar atualizado. “Caso contrário, o carreteiro será um forte candidato
a ficar com os fretes considerados restos dos restos, e aí a coisa se
complica”, finaliza.
Fonte: Revista O Carreteiro
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