terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Com pouco tempo para descansar, caminhoneiros se arriscam nas estradas

 
Há três décadas guiando carretas abastecidas com diferentes grãos pelas estradas brasileiras, Milton Antônio Librelon, de 49 anos, passa semanas longe da família, em Montes Claros, no Norte de Minas. Se por um lado a profissão o impede de desfrutar mais tempo ao lado da mulher e dos dois filhos, por outro a labuta na boleia o levou a conhecer, como poucos, a malha rodoviária do país: “A estrutura, em muitos lugares, é a mesma desde quando comecei nessa carreira”. Sua crítica é reforçada por um estudo da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que concluiu que 62,7% das vias pesquisadas em 2012 no Brasil apresentam algum tipo de deficiência. Em 2011, o percentual era de 57,4%.
Resultado: as precárias condições dos corredores de trânsito implicam no aumento do chamado custo Brasil e põem em risco a vida de motoristas e passageiros. Em média, ainda segundo a CNT, as deficiências na malha aumentam o gasto com transporte em 23% no país. Na Região Sudeste, o percentual é de 19%. Ainda segundo a entidade, o valor da modernização da infraestrutura rodoviária é estimado em R$ 177 bilhões. Mas o aporte no setor é baixo. Para se ter ideia, o mesmo estudo revelou que o Brasil investe nessa estrutura o equivalente a 0,36% do seu Produto Interno Bruto (PIB). O ideal, defendem especialistas, é que seja 1,2%.
O dia a dia de quem ganha a vida nas estradas e o reflexo financeiro devido às más condições da malha são o tema da segunda reportagem da série O Brasil de Gonzaga. A música A vida do viajante, um dos maiores sucessos do Rei do Baião, se transformou num dos hinos dos caminhoneiros do Brasil. Milton, o carreteiro de Montes Claros, segue à risca os versos “guardando as recordações das terras onde passei”. Fã de Luiz Gonzaga, ele tem mais de 400 fotografias das cidades por onde viajou.
Algumas são cortadas pela BR-381, cujo trecho de 110 quilômetros entre BH e João Monlevade é conhecido como Rodovia da Morte. A quantidade de cruzes às margens do asfalto é um alerta de que a estrada, de traçado ultrapassado e perigoso, reserva várias armadilhas. A BR-116, conhecida como Rio–Bahia e que corta Minas Gerais, é um pesadelo para os profissionais do volante. Boa parte dela não é duplicada. O maior problema, contudo, é a falta de divisão física entre as pistas com direções opostas, o que aumenta o risco de batidas frontais.
A negligência de condutores com a manutenção adequada de seus veículos também causa acidentes. O próprio Gonzaga foi vítima, numa estrada próxima a Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri. A história é relatada pelo Rei do Baião no livro Gonzaguinha e Gonzagão – Uma história brasileira, de Regina Echeverria: “Eu tinha um carro grande, um Chevrolet 3600, e quando chegamos antes de Lagoa Vermelha, eu tinha comprado uma roda num ferro-velho. Troquei e pus no carro e esqueci de botar uma roda nova. O carro virou no meio da estrada. Minha mãe perdeu três dedos e eu me machuquei um pouco”.
Jeferson França Alves, de 36 anos, conhece bem a realidade da BR-116, da BR-381 e de outros caminhos: “Numa escala até 10, dou nota cinco para nossas estradas”. Há seis anos na profissão, ele roda o país transportando ração e adubos. Já viu de tudo nas longas viagens, como motoristas imprudentes e prostituição infantil. Mas a vida no trecho é feita também de alegria. Ele fez muitos amigos. Alguns, como costumava fazer Luiz Gonzaga, dormem em redes.
Os panos coloridos são pendurados nas carrocerias dos veículos de carga – o Rei do Baião justificava sua opção dizendo que o corpo, na manhã seguinte, doía menos do que se repousasse numa cama. Redes penduradas em carretas formam uma cena comum nos postos de combustível do Nordeste, principalmente no verão, quando o calor no interior da boleia atrapalha o sono dos profissionais do volante. Por aquelas bandas, outra situação preocupante é a quantidade de jumentos, jegues e bodes soltos às margens das BRs. Na 122, entre Ouricuri (PE) e o Crato (CE), não é difícil flagrar animais mortos depois de atropelados no asfalto.
“A gente tem de redobrar a atenção”, sugere Wylliamys Eduardo de Almeida, de 29. Há sete anos na profissão, o rapaz costuma passar 30 dias longe de casa. Além dos animais, continua ele, a precariedade de algumas vias obriga as carretas a transitar em velocidade baixa, facilitando a ações de marginais. “Certa vez, quando estava a cerca de 30 km/h, dois homens pularam, cada um numa porta (na boleia) do caminhão. Portavam uma espingarda e um revólver. Mesmo não reagindo, levei uma coronhada. Roubaram meu telefone celular, R$ 350 em dinheiro e outros pertences.”
Jorge Alcântara Ferreira, de 49, é outra vítima da insegurança na malha viária. Morador de Montes Claros e há 22 anos no asfalto, ele conta que foi assaltado três vezes. Numa delas, os ladrões levaram o celular, o rádio do caminhão, o relógio e grande quantia em dinheiro. Mas o pior foi ter sido amarrado numa plantação de eucaliptos próxima a Salinas, no Norte de Minas.
Fonte: Fetropar

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