quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

No trânsito, drogas também podem matar



Desde a criação da Lei Seca, há cinco anos, o número de mortes no trânsito vem diminuindo gradualmente. De janeiro a setembro de 2007, quando foi lançada, 301 pessoas foram vítimas de acidentes fatais no DF. No mesmo período de 2013, foram 271. Ainda pequena, sem chegar a 10%, a redução mostra a necessidade de investimento em novas estratégias contra a impunidade. O problema é que muitos não dirigem apenas sob o efeito de álcool. Drogas ilícitas também estão por trás dos volantes. Por isso, alertam especialistas: o desafio agora é outro.
“O uso de entorpecentes ou até mesmo de medicamentos receitados, dependendo da química deles, afeta completamente a percepção do indivíduo. É claro que cada pessoa tem a sua reação, mas o normal é a redução da capacidade de avaliar vários fatores necessários para dirigir, como o reflexo. A maconha, por exemplo, inibe a agilidade da reação”, aponta a psiquiatra e presidente do Instituto Nacional de Política Sobre Drogas (Inpad), Ana Cecília Marques.
Por isso, sugere a especialista, “se existe uma lei para coibir a ingestão de álcool, deveria ter uma para inibir o uso de drogas antes de dirigir”. Contudo, opina, a discussão esbarra em aspectos sociais e políticos. “O consumo de drogas aumenta em todo o mundo. O Brasil é o segundo maior mercado consumidor de cocaína, por exemplo. É muito claro para a gente que isso esbarra nos números de violência no trânsito. Quem cheira fica eufórico, pode perder a noção de perigo”.
Medicamentos
Além das substâncias ilícitas, outro aspecto preocupa os especialistas: o uso de remédios como antidepressivos e emagrecedores.
“Vários medicamentos criam restrições à pessoa poder dirigir. Muitos tiram a capacidade de moderação, o reflexo, causam sonolência. E, mesmo assim, elas dirigem. Esse fato é conhecido pelas autoridades”, diz o especialista em trânsito Carlos Penna.
Segundo o pesquisador, não existem pesquisas que digam o número de acidentes fatais envolvendo o uso de drogas. Informação essa que considera “importante e relevante para dar rumo às novas campanhas e ações de trânsito”. Para Penna, o debate é complexo, levando-se em conta as limitações da atual legislação. “A pessoa não é obrigada a produzir provas contra si, certo? Já temos o primeiro entrave. E existe ainda a coisa da privacidade do indivíduo. É complicado mesmo”, analisa.
Entre os moradores do DF que usam drogas e dirigem está Roberto (nome fictício), 37 anos. Promotor de festas, ele reconhece seu vício em maconha e afirma: “Fumo várias vezes por dia. Dirijo, trabalho, faço tudo normalmente”. Para ele, o entorpecente não tira sua percepção ao volante, por isso, não representa perigo. “A única coisa alterada é a minha percepção mental das coisas, mas fisicamente não muda nada”, diz.
Questionado sobre a possibilidade de ser flagrado em uma blitz, ele responde: “Não tenho medo. Não faço mal a ninguém”.
Campanhas para alertar a população
Para o especialista em trânsito Paulo César Marques, o ideal para diminuir o uso de drogas entre motoristas seria aumentar o número e a qualidade das campanhas de trânsito, hoje focadas apenas no perigo do álcool.
“Quando o indivíduo cheira cocaína, por exemplo, pode ficar mais agressivo. A pessoa fica mais excitada e pode querer dirigir com mais velocidade. O perigo existe e é legalmente condenável, mas acredito nas campanhas educativas”, ressalta.
Nos bares e boates, o tema provoca discussões e revela a insegurança de quem diz não usar nenhum tipo de droga. “Acho a ideia de um drogômetro super-válida. Porque eu posso ser vítima de alguém que dirige sob o efeito de drogas. É perigoso, é irresponsável”, diz a cantora Ana Carolina Nóbrega, 33.
Acostumado a ver a movimentação dos jovens à noite, o segurança Francisco (nome fictício), que trabalha em uma boate, diz que o problema aumenta a cada dia. “Tem uns que não estão em condição alguma de dirigir. Eles chegam a se encostar na porta do veículo para descansar. Imagina como uma pessoa assim consegue se responsabilizar pela direção de um carro?!”.
Problema nas estradas
Nas rodovias do País, o problema chegou a tal ponto que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) determinou, a partir de 2014, a obrigatoriedade do exame toxicológico para renovação da carteira entre motoristas profissionais das categorias C (carga superior a 3 mil quilos), D (mais de oito passageiros) e E. A medida tem o objetivo de reduzir o número de mortes nas estradas brasileiras, que chega a 43 mil pessoas por ano.
De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal, o uso de drogas estimulantes, como o crack e a cocaína, é comum entre caminhoneiros que dirigem mais de oito horas seguidas.
Os testes, que serão feitos no ato de tirar ou renovar a carteira, deverão identificar o uso de drogas nos últimos 90 dias. Se o resultado acusar o uso de algum tipo de entorpecentes, o motorista pode fazer uma contraprova até 90 dias depois do exame. Nas estradas, porém, a ideia é reprovada até por quem diz não fazer uso de tais substâncias.
“Se a pessoa pode fazer uma contraprova, o que me parece? Que o governo quer arrecadar com a sobrecarga de trabalho dos caminhoneiros e com o problema do vício. Não é assim que se resolve a coisa”, diz Dejivan (nome fictício), condutor de um caminhão de cargas.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a quantidade de drogas apreendidas nas estradas aumentou até setembro de 2013 em comparação a todo o ano de 2012. Até dezembro de 2012, haviam sido recolhidos 248 quilos de maconha, e em 2013 o número passou para 632 quilos, um aumento de 154%. Já a apreensão de cocaína triplicou, passando de 60 quilos para 180. “Muita gente usa mesmo, mas tem condutor que carrega produto perecível e não pode parar. Não é fácil julgar e querer condenar”, argumenta ainda Dejivan.
Já para Joel (nome fictício), também caminhoneiro, apesar de o problema ter como pano de fundo a exigência de entrega em determinado tempo, o drogômetro pode diminuir o número de acidentes. “Eu já vi gente usando cocaína na minha frente, uma cena horrorosa. E não é pouca gente que usa não. Por isso, o aparelho vem para ajudar. Mas, claro, tem que ter uma discussão maior. Não é só o caminhoneiro o responsável por isso”, aponta.

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