Desde a
criação da Lei Seca, há cinco anos, o número de mortes no trânsito vem
diminuindo gradualmente. De janeiro a setembro de 2007, quando foi lançada, 301
pessoas foram vítimas de acidentes fatais no DF. No mesmo período de 2013,
foram 271. Ainda pequena, sem chegar a 10%, a redução mostra a necessidade de
investimento em novas estratégias contra a impunidade. O problema é que muitos
não dirigem apenas sob o efeito de álcool. Drogas ilícitas também estão por trás
dos volantes. Por isso, alertam especialistas: o desafio agora é outro.
“O uso de
entorpecentes ou até mesmo de medicamentos receitados, dependendo da química
deles, afeta completamente a percepção do indivíduo. É claro que cada pessoa
tem a sua reação, mas o normal é a redução da capacidade de avaliar vários
fatores necessários para dirigir, como o reflexo. A maconha, por exemplo, inibe
a agilidade da reação”, aponta a psiquiatra e presidente do Instituto Nacional
de Política Sobre Drogas (Inpad), Ana Cecília Marques.
Por isso,
sugere a especialista, “se existe uma lei para coibir a ingestão de álcool,
deveria ter uma para inibir o uso de drogas antes de dirigir”. Contudo, opina,
a discussão esbarra em aspectos sociais e políticos. “O consumo de drogas
aumenta em todo o mundo. O Brasil é o segundo maior mercado consumidor de
cocaína, por exemplo. É muito claro para a gente que isso esbarra nos números
de violência no trânsito. Quem cheira fica eufórico, pode perder a noção de
perigo”.
Medicamentos
Além das
substâncias ilícitas, outro aspecto preocupa os especialistas: o uso de
remédios como antidepressivos e emagrecedores.
“Vários
medicamentos criam restrições à pessoa poder dirigir. Muitos tiram a capacidade
de moderação, o reflexo, causam sonolência. E, mesmo assim, elas dirigem. Esse
fato é conhecido pelas autoridades”, diz o especialista em trânsito Carlos
Penna.
Segundo o
pesquisador, não existem pesquisas que digam o número de acidentes fatais
envolvendo o uso de drogas. Informação essa que considera “importante e
relevante para dar rumo às novas campanhas e ações de trânsito”. Para Penna, o
debate é complexo, levando-se em conta as limitações da atual legislação. “A
pessoa não é obrigada a produzir provas contra si, certo? Já temos o primeiro
entrave. E existe ainda a coisa da privacidade do indivíduo. É complicado
mesmo”, analisa.
Entre os
moradores do DF que usam drogas e dirigem está Roberto (nome fictício), 37
anos. Promotor de festas, ele reconhece seu vício em maconha e afirma: “Fumo
várias vezes por dia. Dirijo, trabalho, faço tudo normalmente”. Para ele, o
entorpecente não tira sua percepção ao volante, por isso, não representa
perigo. “A única coisa alterada é a minha percepção mental das coisas, mas
fisicamente não muda nada”, diz.
Questionado
sobre a possibilidade de ser flagrado em uma blitz, ele responde: “Não tenho
medo. Não faço mal a ninguém”.
Campanhas
para alertar a população
Para o
especialista em trânsito Paulo César Marques, o ideal para diminuir o uso de
drogas entre motoristas seria aumentar o número e a qualidade das campanhas de
trânsito, hoje focadas apenas no perigo do álcool.
“Quando o
indivíduo cheira cocaína, por exemplo, pode ficar mais agressivo. A pessoa fica
mais excitada e pode querer dirigir com mais velocidade. O perigo existe e é
legalmente condenável, mas acredito nas campanhas educativas”, ressalta.
Nos bares
e boates, o tema provoca discussões e revela a insegurança de quem diz não usar
nenhum tipo de droga. “Acho a ideia de um drogômetro super-válida. Porque eu posso
ser vítima de alguém que dirige sob o efeito de drogas. É perigoso, é
irresponsável”, diz a cantora Ana Carolina Nóbrega, 33.
Acostumado
a ver a movimentação dos jovens à noite, o segurança Francisco (nome fictício),
que trabalha em uma boate, diz que o problema aumenta a cada dia. “Tem uns que
não estão em condição alguma de dirigir. Eles chegam a se encostar na porta do
veículo para descansar. Imagina como uma pessoa assim consegue se
responsabilizar pela direção de um carro?!”.
Problema
nas estradas
Nas
rodovias do País, o problema chegou a tal ponto que o Conselho Nacional de
Trânsito (Contran) determinou, a partir de 2014, a obrigatoriedade do exame
toxicológico para renovação da carteira entre motoristas profissionais das
categorias C (carga superior a 3 mil quilos), D (mais de oito passageiros) e E.
A medida tem o objetivo de reduzir o número de mortes nas estradas brasileiras,
que chega a 43 mil pessoas por ano.
De acordo
com dados da Polícia Rodoviária Federal, o uso de drogas estimulantes, como o
crack e a cocaína, é comum entre caminhoneiros que dirigem mais de oito horas
seguidas.
Os
testes, que serão feitos no ato de tirar ou renovar a carteira, deverão
identificar o uso de drogas nos últimos 90 dias. Se o resultado acusar o uso de
algum tipo de entorpecentes, o motorista pode fazer uma contraprova até 90 dias
depois do exame. Nas estradas, porém, a ideia é reprovada até por quem diz não
fazer uso de tais substâncias.
“Se a
pessoa pode fazer uma contraprova, o que me parece? Que o governo quer arrecadar
com a sobrecarga de trabalho dos caminhoneiros e com o problema do vício. Não é
assim que se resolve a coisa”, diz Dejivan (nome fictício), condutor de um
caminhão de cargas.
Segundo a
Polícia Rodoviária Federal (PRF), a quantidade de drogas apreendidas nas
estradas aumentou até setembro de 2013 em comparação a todo o ano de 2012. Até
dezembro de 2012, haviam sido recolhidos 248 quilos de maconha, e em 2013 o
número passou para 632 quilos, um aumento de 154%. Já a apreensão de cocaína
triplicou, passando de 60 quilos para 180. “Muita gente usa mesmo, mas tem
condutor que carrega produto perecível e não pode parar. Não é fácil julgar e
querer condenar”, argumenta ainda Dejivan.
Já para
Joel (nome fictício), também caminhoneiro, apesar de o problema ter como pano
de fundo a exigência de entrega em determinado tempo, o drogômetro pode
diminuir o número de acidentes. “Eu já vi gente usando cocaína na minha frente,
uma cena horrorosa. E não é pouca gente que usa não. Por isso, o aparelho vem
para ajudar. Mas, claro, tem que ter uma discussão maior. Não é só o
caminhoneiro o responsável por isso”, aponta.
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