quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O perigo a caminho da escola


O que acontece nas cidades visitadas pelo O POVO é o retrato da situação de quase todos os municípios do interior do Ceará. Crianças transportadas para a escola em caminhões pau de arara enfrentam riscos cotidianamente
O que acontece nas cidades visitadas pelo O POVO é o retrato da situação de quase todos os municípios do interior do Ceará. Crianças transportadas para a escola em caminhões pau de arara enfrentam riscos cotidianamente Acopiara, Mombaça, Boa Viagem, Monsenhor Tabosa. O que acontece nessas cidades – em termos de irregularidades no transporte escolar – é um retrato de todas as cidades do Ceará, com raras exceções.

A grande maioria dos veículos que transportam alunos da zona rural, no interior do Estado, é pau de arara: caminhões e camionetas adaptados precariamente – e ilegalmente – para o uso escolar.

Acopiara

Por volta das 11 horas, em Acopiara, já é possível perceber o movimento de caminhões em pontos próximos aos colégios, pois chega a hora de levar a turma da manhã para a casa. O POVO vai até um colégio do município, de onde – a exemplo de outras escolas - saem vários veículos para localidades rurais.

O POVO escolhe um caminhão, cuja carroceria mede cerca de 4,5m de comprimento por dois de largura, um espaço de nove metros quadrados. Nele se apinham mais de 50 pessoas, com estudantes de idade variando entre sete anos e 18 anos. Além de alunos, os carros costumam levar carga e alguns outros passageiros, mediante pagamento.

O motorista diz que, nos dois anos em que ele dirige o caminhão, nenhum acidente aconteceu. Mal ele acaba de falar, uma criança fere o pé em um rolo de arame farpado, que seguia como carga na carroceria, sem nenhuma proteção.

O menino, cerca de 10 anos de idade, fica com o pé banhado em sangue, mas parece não se importar, não chora, nem reclama.
O POVO segue junto com as crianças, em cima do caminhão, que sai pouco antes do meio-dia, sol a pino. A sensação é que se está dentro de uma sauna, para o que contribui a fina cobertura de metal, que aquece ao ponto de um ferro de engomar.

Alguns estudantes vão sentados em tábuas atravessadas na carroceria, que são usadas como bancos, outros vão em pé, os mais ousados penduram-se nas laterais de proteção. O caminhão está lotado.

O veículo avança por uma estrada carroçável, corcoveando como se fosse um touro de rodeio. Não há onde segurar, a não ser agarrando-se aos bancos de madeira ou nas tábuas da carroceria.

“É muito ruim”, diz um dos meninos. “Mas pior é nos dias de chuva”, emenda outro, fazendo troça – e caem no riso, porque são crianças.
Durante a viagem, o caminhão vai parando e deixando os estudantes. Alguns ainda têm de caminhar um bom trecho para chegar às suas casas, como as quatro meninas do ensino fundamental -uma delas de sete anos -, que desceram quase no fim da linha: tinham pela frente mais dois quilômetros a pé, sob um sol fervente, sobre um chão escaldante.

Sacos plásticos


Se a coisa parecia ruim nesse caminhão, pior foi outro, que O POVO encontrou na mesma estrada, tomando-o na volta. A cobertura do caminhão era feita de sacos plásticos emendados um aos outros.
O veículo não tinha ao menos tábuas de proteção nas laterais e nem na parte traseira. Os bancos, de madeira fina, vergavam-se ao peso dos estudantes. A trepidação fazia o caminhão se desconjuntar, parecendo que iria desintegrar-se a qualquer momento.

“Estou acostumado”, diz um dos estudantes, de 18 anos de idade, “desde que comecei a estudar (aos sete anos) venho nesse tipo de carro”.

O caminhão para. As crianças pulam de cima da carroceria, ignorando a pequena escada de ferro roliço, difícil de usar, pois há pouco espaço para firmar os pés. E correm para dentro da escola fazendo a algazarra própria dos jovens.

Plínio Bortolotti
plinio@opovo.com.br

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