As empresas de transporte de cargas e passageiros,
assim como os motoristas, estão apressando o passo para se adequarem à Lei
12.619/12, que regulamenta essa profissão. A nova norma entrou em vigor no mês
passado, mas até 29 de julho, quando começam as autuações, o período será
considerado de orientações e de ajustamento.
A regulamentação estabelece que o motorista deverá
exercer uma carga diária de trabalho de até oito horas, com no máximo quatro
horas dirigindo sem parar, podendo alongar mais uma hora se estiver na condição
de chegar a um local seguro ou ao seu destino. Também admite a prorrogação da
jornada de trabalho por até duas horas extras. Deverão ser feitos intervalos
mínimos de 30 minutos para descanso a cada quatro horas de tempo ininterrupto de
direção e intervalo mínimo de uma hora para refeição, podendo coincidir ou não
com o tempo de descanso recomendado ao motorista.
A lei ainda determina um intervalo de repouso
diário de onze horas a cada 24 horas e descanso semanal de 35 horas. A fiscalização
do cumprimento da lei compete ao órgão que possui autoridade sobre a rodovia e
poderá ser feita através do tacógrafo ou do diário de bordo. Além das multas,
os motoristas infratores perderão pontos em suas carteiras.
O advogado e sócio-diretor da Alexandretti
Advocacia Corporativa, Fábio Alexandretti, lembra que a profissão de motorista
não era regulamentada. Segundo ele, as empresas que operam com transportes, com
a nova norma, poderão minimizar os riscos de terem passivo trabalhista.
Alexandretti argumenta que, como antes não havia
regulamentação específica, o motorista trabalhava quantas horas entendesse
necessário, e a companhia que possuía muitos caminhões podia criar um passivo
trabalhista enorme, se vários profissionais cobrassem na Justiça as horas
extras. Por isso, ele acha a lei benéfica para o empresário. O advogado
esclarece que a CLT ainda regulará os itens obscuros dentro da Lei 12.619/12.
“Ou seja, o entendimento com a CLT será muito mais pontual, preciso.”
Em contrapartida, ressalta o advogado, muitos
motoristas estão insatisfeitos com a legislação, porque não toleram o excesso
de regras e preferem trabalhar por mais tempo. Ele cita o caso dos autônomos,
classe que em sua maioria é constituída por pequenas empresas, que contam com
poucos caminhões. Muitas vezes, o dono dos veículos e seus familiares exercem a
função de motorista.
O advogado antecipa que será muito difícil
fiscalizar a operação dessa categoria. Esses profissionais já têm uma cultura
mais “enraizada” de fazer o seu próprio horário. Ele acredita que alguns
transportadores de pequeno porte tentarão burlar o limite estipulado de horas
de volante, vendo nisso uma oportunidade de crescimento. Alexandretti aponta
que as grandes companhias poderão denunciar os autônomos que fizerem isso, para
evitar a perda de contratos em uma concorrência desigual.
ABTI e Setcergs se mostram preocupados com a
concorrência estrangeira desigual - Um temor dos transportadores com a nova lei
é a perda de competitividade em relação às companhias estrangeiras. O
presidente da Associação Brasileira de Transportadores Internacionais (ABTI),
José Carlos Becker, reconhece que os problemas trabalhistas no transporte
motivavam a implantação da regulamentação. No entanto, ele salienta que mais de
80 mil caminhões atravessam as fronteiras do Estado todos os meses e a
legislação não atinge os estrangeiros.
Becker enfatiza que para o motorista estrangeiro,
como os argentinos, existe a possibilidade de rodar até 13 horas, cinco a mais
do que o nacional. Para rodar mais duas horas, os brasileiros recebem horas
extras, com aumento de custos. Além disso, o brasileiro terá que cumprir o
tempo de direção da nova lei também nos outros países. “Isso nos preocupa e
muito”, salienta. Ele adianta que a ABTI está conversando com senadores sobre o
acréscimo de um capítulo na lei que atenda às necessidades do transporte
internacional.
O dirigente calcula que se isso não for feito,
haverá uma perda de 20% a 30% na receita dos transportadores brasileiros em
relação aos estrangeiros, podendo causar desemprego e fechamento de companhias
nacionais. “Entendemos que se fala muito na questão da segurança, mas no
momento em que o estrangeiro tem uma maior flexibilidade nos seus horários, aí
começa a se perder competitividade”, adverte o presidente da ABTI.
Para alertar sobre esse risco, houve manifestações
de representantes de empresas e trabalhadores em Uruguaiana, no final do mês
passado, com a interrupção do trânsito da ponte internacional do município por
três horas. Também ocorreram mobilizações em Itaqui, São Borja e Foz do Iguaçu.
Becker revela que uma minuta será realizada e encaminhada ao senador Paulo
Paim, e se não houver medidas que demonstrem por parte do governo federal a
intenção se tratar do assunto, novas manifestações deverão ocorrer.
O presidente do Sindicato das Empresas de
Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs),
José Carlos Silvano, também está preocupado quanto à falta de isonomia entre os
transportadores estrangeiros e nacionais. “Essa questão tem que ser enfrentada
pela cadeia de transportes de forma negocial com os países do Mercosul ou com
uma adequação da lei aqui no Brasil”, sugere o dirigente.
De acordo com Silvano, a falta de isonomia ocorre
ainda no transporte doméstico com a nova legislação. “O transportador autônomo
não tem a obrigatoriedade de fazer o almoço, por exemplo, e tem uma
possibilidade mais flexível de tempo de trabalho do que o motorista empregado”,
comenta o presidente do Setcergs. Silvano argumenta que, se o objetivo da norma
é dar segurança ao trânsito, é preciso equiparar as funções e responsabilidades
para qualquer tipo de motorista. O dirigente ressalta que a lei terá um impacto
forte de custos e de perda de competitividade para o setor e, por consequência,
causará um ônus logístico para o Brasil.
Fecam prevê dificuldades para os autônomos - O
presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos dos Estados do Rio Grande
do Sul e Santa Catarina (Fecam), Eder Dal´Lago, vê a lei como inviável para a
categoria. “O caminhoneiro autônomo é um grupo diferenciado, não é como alguém
que trabalha na zona urbana e depois vai para casa ficar com a família”,
ressalta o dirigente. Ele afirma que determinar que um profissional fique onze
horas parado em um caminhão para descansar demonstra um desconhecimento do
ofício por parte do legislador.
Dal´Lago admite que há muitos acidentes nas
estradas, porém ele acredita que ao invés das onze horas de descanso, o ideal
seria realizar oito horas. Ele destaca ainda que é preciso desenvolver a
infraestrutura das rodovias brasileiras, implementando pontos de paradas para
os motoristas. Segundo o dirigente, é necessário um ponto de apoio a cada 200
quilômetros, com condições para tomar banho, fazer as refeições, entre outras
atividades. “Porque se ele ficar todo esse tempo dentro do caminhão, sem nada
para fazer, o estresse só aumentará”, adverte Dal´Lago.
O dirigente lembra que entidades do Sul do Brasil,
como a Fecam e a Federação das Empresas de Transportes de Carga no Estado do Rio
Grande do Sul (Fetransul), foram contrárias a esse modelo de legislação. Mas,
os grupos localizados no Centro do País, São Paulo e Rio de Janeiro, pela sua
posição logística estratégica, mais perto da concentração de cargas, não
manifestaram maior oposição. Dal´Lago tem esperança que seja possível rever
alguns itens da nova legislação, e que os fiscais tenham bom senso, levando em
conta a falta de condições de infraestrutura, e prefiram orientar a multar.
NTC&Logística quer restabelecer os pontos de
parada que foram vetados - Apesar de ser fruto de uma ampla discussão, as
associações do setor de transporte acreditam que ainda há tempo para melhorar
as determinações da Lei 12.619/12. O vice- presidente de Logística do Setcergs,
Frank Woodhead, admite que é favorável à nova regulamentação, pois além da
segurança jurídica, disciplina o setor. “Mas, obviamente, como toda nova lei
ela possui lá seus problemas, alguns dos vetos colocados pela presidente Dilma
Rousseff acabaram distorcendo um pouco o sentido da norma”, lamenta.
Woodhead diz que a presidente vetou a obrigação da
instalação de locais de estacionamentos para os motoristas descansarem e os 180
dias de prazo para implantação da lei, ficando em apenas 45 dias. Com isso, a
grande interrogação, segundo ele, será onde os caminhoneiros pararão. O
presidente do Setcergs, José Carlos Silvano, também destaca que as onze horas
estabelecidas para que o motorista descanse e durma a cada 24 horas, é algo
muito difícil de ser cumprido.
Ele salienta que o condutor quer voltar o mais
breve possível para sua casa. “Imagine o profissional em uma região remota, sob
um calor escaldante, tendo que dormir onze horas, vai ficar em volta do
caminhão olhando a natureza?”, indaga o presidente do Setcergs. Silvano lembra
que o projeto de lei determinava que a cada 200 quilômetros houvesse um ponto
de parada em rodovias concedidas, sendo que as concessionárias tinham que
construir esses espaços de descanso, o que acabou sendo vetado. Ele defende que
quanto maior a quantidade de veículos na estrada, maior devia ser o número de
estabelecimentos de parada. “É impossível jogar tudo dentro de uma lei que
abrange um setor tão diversificado”, afirma o presidente do Setcergs. Ele crê
que esses pontos poderão ser complementados na lei. “É demorado, mas esse é o
caminho”, diz.
O presidente da Associação Nacional do Transporte
de Cargas e Logística (NTC & Logística), Flávio Benatti, confirma que as
entidades de classe estão trabalhando para reestabelecer a condição dos pontos
de parada. “Entretanto, a questão não é um impeditivo para o cumprimento da
legislação, mas dificulta e precisamos facilitar”, argumenta o dirigente.
Apesar de saber que haverá dificuldades de adaptação, ele considera positiva a
legislação, pois “coloca regras no jogo” e as companhias poderão conhecer
melhor seus custos trabalhistas.
Benatti adianta que renegociações terão que ser
feitas com os clientes. Empresas que têm fixados prazos de entrega talvez
tenham que rever os contratos, pois eventualmente não terão condições de
cumprir devido à distância ou à mobilidade urbana. Contudo, o presidente da NTC
& Logística recorda que a legislação prevê, em determinados casos,
negociações coletivas entre as partes. “Hoje, há certa apreensão de como
cumprir a lei, há falta de motoristas, não tem como atender aos prazos, porém
as companhias precisarão fazer a lição de casa e normatizar as suas operações”,
reconhece Benatti.
Caminhoneiros marcam greve e querem parar o País
no dia 25 - O Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC) marcou para 25 deste
mês uma greve geral da categoria. Sindicalistas dizem que o objetivo é parar o
máximo dos 600 mil caminhões que circulam pelo País. Eles reivindicam queda nos
pedágios e uma reavaliação por parte da Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT) dos registros das empresas que estão sendo montadas através de
motoristas autônomos com base em um novo sistema definido pelo governo federal.
Eles alegam que essas companhias prejudicam o mercado.
Segundo o MUBC, o valor do frete na maioria dos
casos não cobre nem os custos de manutenção dos veículos. Para a entidade, esse
baixo valor é referente à alteração na legislação, que reduziu os valores a
serem estabelecidos pelos contratantes. Alessandra Macedo, coordenadora
nacional do movimento, com sede no Rio, diz que a greve está sendo divulgada
pela internet, panfletos e sindicatos e associações do País todo. O dia 25 de
julho foi escolhido por ser o Dia de São Cristóvão, padroeiro dos motoristas.
A greve também quer chamar a atenção para a nova
lei que regulamenta a profissão de motorista. Outra reclamação é o chamado
“cartão frete”, que estabelece que cooperados ou agregados de cooperativas
somente poderão prestar serviços exclusivos às entidades a que forem
vinculados. Eles argumentam que isso impossibilita a venda de fretes e
compromete as atividades dos profissionais autônomos da área.
Fonte:Jornal do Comércio - RS