segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A cidade Cresce sem um Plano Diretor


Sem a regulamentação dos 19 instrumentos complementares e com os prazos de implantação todos estourados, especialistas debatem como seria a cidade se o PDPFOR funcionasse no cotidiano, na prática. Em que a população e a Capital ganhariam?Se, em 2009, quando foi sancionado pela Prefeitura, o Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDPFOR) se mostrava a salvação de todos os problemas urbanos da Capital, hoje parece ter virado apenas promessa. Sem regulamentação dos 19 instrumentos complementares e com todos os prazos para regulamentação vencidos, o PDPFOR está deixando de exercer o importante papel de orientar as políticas de desenvolvimento e expansão urbana de uma cidade que sofre com problemas de trânsito, moradia, degradação ambiental, uso e ocupação irregulares dos espaços que deveriam ser públicos. E como seria Fortaleza se o plano funcionasse no cotidiano, na prática?


Talvez a difícil convivência de cerca de 2,5 milhões de habitantes em um único território fosse menos conflituosa, por exemplo. À luz dos 327 artigos da lei 062/2009, as melhorias poderiam atingir setores como a redução no déficit habitacional, o fim das áreas de risco, a preservação ambiental, um melhor destino para onde a cidade deveria crescer, a orientação adequada dos fluxos de veículos, mais ciclovias, menos poluição, dentre tantos outros pontos detalhados no documento.


Como os artigos não saem do papel, não se tem como sequer imaginar se a cidade teria ou não melhorias claras. Uma grande indefinição que promete se arrastar ainda mais.


Após dois anos da criação, o PDPFOR passa, atualmente, por uma nova maratona de propostas de revisões e mudanças na Câmara Municipal. Novas 29 emendas estão sendo apresentadas pelos parlamentares, e podem ser votadas ainda neste mês em reunião da Comissão Especial, criada para discutir as tais alterações.


Polêmicas
Entre as propostas mais polêmicas de alteração, há uma que pode inviabilizar a implantação de algumas das chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis). Uma terceira almeja revogar a lei da Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) das Dunas do Cocó. Hoje, a cidade não possui, conforme orienta o Plano Diretor, uma lei específica de Mobilidade Urbana, de política habitacional, de arborização, de drenagem, de circulação viária, de transporte público, de estacionamento e tantas outras listadas e obrigadas pela tal legislação.


Preocupações
A lei municipal de uso e ocupação do solo, por exemplo, está caduca, data de 1996, e a gestão municipal não possui um Instituto de Planejamento e um Conselho de Desenvolvimento Urbano, assim reclama a professora do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC), Clarissa Sampaio.


Nas vésperas da chegada de um importante evento esportivo - Copa do Mundo de 2014 - a preocupação da professora é com os rumos que a cidade está tomando com essa inexistência, segundo ela, de diretrizes objetivas. "Fortaleza está sem regras. Por serem dinâmicas, as capitais precisam ter suas leis revistas e muito claras para se evitar que o interesse das minorias domine os espaços", frisa.


Frequentadora do bairro Dionísio Torres, Clarissa conta que diariamente vê flagrantes de irregularidades que poderiam ser evitadas com a regulamentação do plano. "Vou andando e me chateio com os camelôs que ocupam as calçadas, os estacionamentos irregulares, a primazia dos automóveis em detrimento ao transporte público e outros tantos males", diz.


Da mesma opinião, o vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-CE), José Sales, faz a crítica sobre a efetividade da lei. "O Plano Diretor é uma espécie de rainha da Inglaterra. Até tem poder de reinar, mas não manda em nada. É uma letra morta", diz Sales.


A funcionária pública Socorro de Castro, 53, nem bem conhece a tal lei, não leu os extensos artigos da complexa legislação, mas sabe reconhecer alguns dos "engodos" da grande e dinâmica cidade onde mora.


Habitante de um dos poucos sítios ainda existentes no bairro da Maraponga, ela sente a localidade ser engolida pelos prédios que surgem diariamente na paisagem. "Fortaleza está crescendo mais para o nosso lado, para o sul. Já estamos vendo a diferença. Nem tínhamos tanto trânsito como hoje. Daqui a uns dez anos, vamos virar a nova Aldeota. A cidade está se desenvolvendo que nem mato selvagem, de qualquer jeito", critica.


Críticas
A enfermeira Camila Viana, 27, diz sentir bem na pele a falta de um plano de mobilidade urbana. Sem carro próprio, ela tenta se deslocar na Capital quase numa saga interminável. Demora quase duas horas para cruzar a Avenida Bezerra de Menezes até o Parque do Cocó. Faz diariamente duas vezes este percurso num cansativo vai-e-vem.


"Seria tão bom se a gente tivesse corredores exclusivos, ônibus confortáveis, estímulo para o transporte público e vias menos esburacadas. Não falta só dinheiro, não, falta planejamento", afirma a jovem Camila.


A presidente da Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza (FBFF), Gorete Fernandes, afirma sonhar em ver o PDPFOR funcionando na prática.


Para ela, a Capital deveria ser pensada em sua amplitude, poder garantir a função social da terra, oferecer moradia digna, parcelar o solo, proteger as lagoas, direcionar os pontos de crescimentos e vazios com as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis). "Se não está cumprindo com o seu objetivo de integrar as políticas, regular o uso e preservar o patrimônio, ele não serve, é um enfeite", finaliza Gorete.


O que eles pensam

Entraves para execução do Plano Diretor
No caso de Fortaleza, embora o Plano Diretor Participativo tenha sido promulgado em 2009, ainda falta-lhe efetividade. Isso se explica pelo fato de que as demais leis que integram o planejamento da cidade e que complementam o próprio plano (lei de uso e ocupação do solo, lei de parcelamento do solo, código de obras e posturas, dentre outras) não foram sequer propostas pelo Executivo Municipal. Assim, muito do que foi pensado para a cidade encontra-se sem nenhuma aplicabilidade. Em relação à mobilidade urbana e ao trânsito, o Plano Diretor por si só não basta para solucionar todos os problemas. É preciso que o município crie uma política de mobilidade. Mas, alguns dos instrumentos do Plano poderiam contribuir para a questão. O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), por exemplo visa a evitar que empreendimentos geradores de tráfego sejam instalados em áreas cujo sistema viário já esteja saturado. Como o EIV ainda não foi regulamentado pelo Município, sua aplicação não ocorre em nenhum caso. Quanto à gestão democrática da cidade, uma das diretrizes do Estatuto da Cidade, Fortaleza falha ao não instituir um Conselho deliberativo. Esse conselho deveria analisar os projetos de grande impacto e definir os rumos da política urbana. Atualmente, são praticamente inexistentes os canais de interlocução, o que faz com que o planejamento seja mais excludente.



Henrique Botelho
DIRETOR INST. DIREITO URBANÍSTICO (IBDU)


A cidade está carente por exemplo, do Plano do Sistema Viário Básico, que define hierarquias, funções, futuros alargamentos, disciplina estacionamentos, projeta abertura de novas vias. Em Fortaleza, hoje, circulam mais de 500 mil veículos, numa malha viária projetada há mais de 20 anos e sem intervenções estruturais há mais de cinco anos. Fortaleza ressente-se também de regulamentação para o monitoramento do ambiente natural, ainda que inserido no perímetro urbano. Aplica-se na proteção dos ecossistemas naturais, e no controle e fiscalização de temas como Poluição do ar, da água, visual, sonora, e um Código de 1981, forçando adaptações de legislações, muitas vezes questionadas na sua legalidade. Será que a cidade desempenhará o papel a ela confiado, por ocasião desses jogos da Copa de 2014? E a população sairá ganhando ou perdendo? É difícil prever, enquanto não se retomarem as rotinas e práticas de planejamento em Fortaleza. A continuidade do processo de detalhamento do Plano Diretor deve acontecer com a reinauguração desse sistema. Fortaleza necessita de um órgão de planejamento que seja autônomo, técnico na sua concepção e formação e que sirva para desencadear o processo de detalhamento do Plano Diretor, atendendo inclusive ao que estabelece o Título IV, quando reconhece a necessidade de instituir um "Sistema Municipal Integrado de Planejamento Urbano".


Regina Costa e Silva
DIRETORA DE POLÍTICA URBANA DO IAB


Fortaleza foi tratada, durante muito tempo, como um território homogêneo. A cidade foi objeto de diversos projetos e planos urbanos que desconsideraram aspectos de seu ambiente natural, social e econômico. Regia-se apenas a tal "cidade oficial", quando a maior parte dos planos urbanos, muitos nem sequer colocados em prática, sugeriam intervenções puramente funcionais, estéticas, físicas ou que apenas validavam processos de crescimento urbano já em andamento. Neste contexto histórico desanimador, o que foi modificado pelo atual Plano Diretor em vigor desde fevereiro de 2009? A legítima democratização do planejamento e da gestão de nossa cidade, junto à capacidade instrumental de reduzir a injustiça socioespacial, foram os principais ganhos. Recai sobre o poder público municipal a responsabilidade de executar a política de desenvolvimento urbano. Isto quer dizer que a Prefeitura do município, seja qual for a gestão, tem como obrigação viabilizar mecanismos para executar necessariamente o que está contido no plano e viabilizar o compartilhamento da gestão com a população. O Plano Diretor não é uma peça puramente científica ou técnica, mas política. Na ausência de vinculação estreita entre planejamento e gestão urbana, a segunda cria formas de gerenciar os espaços da cidade de acordo com seus interesses.


Camila Girão
Prof. Planejamento Urbano da UNIFOR

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